Tenho um amigo que gosta muito da banda “The Cardigans”, e em especial da canção “My Favourite Game”, onde a certa altura se canta “I had a vision that I could turn you right / a stupid mission and a legal fight” (Pensei que te podia pôr no bom caminho, tinha uma missão estúpida e uma batalha jurídica)”. E esta canção, que completa agora 20 anos, não podia ser mais irónica, pois aplica-se na perfeição à vida do meu amigo.
O meu amigo vive retirado do mundo. É um autêntico eremita. Dá de comer a gatos, o que é muito bom, mas tem grandes dificuldades em suportar pessoas.
A vida pessoal dele é praticamente inexistente. É culto, informado, e interessado, gastando imenso tempo a ver os canais de informação das televisões americanas e britânicas, o que faz dele um excelente interlocutor para discutir assuntos de geopolítica. Em contrapartida, está-se nas tintas para a política nacional (está bem, eu sei que não é o único).
Este meu amigo pouco tempo trabalhou na vida. E há duas coisas que me irritam particularmente nas opções que ele toma na sua existência. A primeira é o desinteresse em ter uma vida pessoal, deixando o tempo passar. A segunda é a relutância que ele tem em procurar trabalho. O mercado de trabalho português está hoje num bom momento, com a taxa de desemprego a fixar-se em mínimos de dez anos, em 7,6%. Para este meu amigo, licenciado e fluente em inglês, seria relativamente fácil arranjar trabalho. Mas ele não quer.
Segundo o que me explicaram, e apesar de ele viver como um eremita, do seu próprio ponto de vista, o meu amigo está bem. Está como quer estar. Vive quase desligado do mundo, mas é isso que ele procura. Em isolamento, não lhe acontece nada de mau, embora também não lhe aconteça nada de bom. Além disso, ele recusa todas as tentativas de ajuda que eu lhe procuro enviar. Aí está o chavão, muito verdadeiro: só se pode ajudar quem quer ser ajudado. E o meu amigo não quer. Assim, continuar a insistir em ajudá-lo talvez seja a “stupid mission” da canção dos Cardigans que ele gosta tanto.
Donde se conclui que o mais aconselhável para mim é desistir, ou pelo menos não me emprenhar tanto, nessa missão estúpida. Agora, lá que dói ver a vida de um amigo desperdiçada, segundo os padrões normais, dói. Mas não tenho superpoderes. A minha influência tem limites, bem patentes neste caso.