Há romances que deviam durar para toda a eternidade. E o futebol, ao contrário do que os leigos possam pensar, é pródigo em casos desse género. A história de amor entre um clube e um treinador, por exemplo. Como a do Bayern Munique com Jupp Heynckes, o homem que insiste em deixar a reforma de lado sempre que é chamado a salvar o seu amado gigante bávaro.
Aconteceu em abril de 2009, quando agarrou num Bayern em risco de ficar de fora da Liga dos Campeões (era terceiro na Bundesliga, com os mesmos pontos do quinto, a cinco jornadas do fim). Quatro vitórias e um empate depois, conseguiu o segundo lugar a um ponto do campeão, o surpreendente Wolfsburg.
Voltou a acontecer em 2011/12, assumindo os comandos após o fim de ciclo de Louis Van Gaal, e numa altura em que o Dortmund de Jurgen Klopp ameaçava tomar conta do futebol alemão. O já então mais velho treinador da Bundesliga falhou o objetivo à primeira tentativa (perdeu o campeonato e a Taça para os amarelos e a Liga dos Campeões frente ao Chelsea, no desempate por grandes penalidades), mas vingou-se de forma retumbante na segunda: ganhou as três competições (mais a Supertaça), na época mais triunfante da história do clube. E tudo isto, sabendo desde janeiro que iria ser substituído no cargo pelo jovem Pep Guardiola no fim da temporada. «Depois desta série de sucessos, podia ir para qualquer clube na Europa. Tenho um problema com a palavra ‘nunca’, mas posso assegurar que não tenho intenções de voltar a treinar. Tive um fim perfeito», anunciou no adeus. Que não seria o último, no fim de contas.
Só falhou a Champions
O trilho de vitórias internas foi seguido por Guardiola e depois por Carlo Ancelotti. O italiano, todavia, não parecia agradar aos pesos-pesados do plantel, e pior colocado ficaria quando, em outubro passado, saiu vergado a uma derrota pesada em Paris, frente ao PSG, na Liga dos Campeões(3-0). A administração bávara acedeu então às queixas de homens como Muller, Robben ou Ribèry e abriu a porta da saída ao multi-titulado Ancelotti, indicando de pronto o bombeiro de serviço: o velhote Heynckes, de 72 anos e reformado há mais de quatro. «Estive fora quatro anos, mas o futebol não está assim tão diferente, mesmo que alguns novos clubes ricos tenham emergido neste período. Ainda tenho alguma experiência e tenho assistido a muitos jogos», avisava o homem, um dos melhores jogadores alemães dos finais da década de 60 e de toda a década de 70 – goleador mortífero (ainda hoje é o terceiro melhor marcador de sempre do campeonato), foi campeão da Europa em 1972 e do mundo em 1974 ao lado de Uli Hoeness, que em agosto de 2016 havia voltado à presidência do Bayern.
O aviso tinha razão de ser. No primeiro jogo após o regresso ao banco do Bayern, uma vitória por 5-0 sobre o Friburgo. Seis meses depois, estava garantido o sexto campeonato consecutivo do clube, com cinco jornadas por jogar; ao todo, são 22 vitórias, um empate e duas derrotas nos 25 jogos na Bundesliga desde que Heynckes assumiu as rédeas. E ainda falta a Taça, cuja final, frente ao Eintracht Frankfurt, está marcada para o próximo dia 19. Será – outra vez – o último jogo de Jupp Heynckes ao comando do Bayern: Niko Kovac, atual treinador… do Eintracht Frankfurt, será o seu sucessor.
Desta feita, só faltou a conquista europeia para a quarta passagem do longevo treinador pelo gigante da Baviera ser absolutamente perfeita. Heynckes, que exigiu o regresso do conceituado médico Hans-Wihlhelm Muller-Wohlfahrt (afastado por Guardiola), deu a volta ao mau começo com Ancelotti, batendo o PSG em Munique (3-1) e passando sem dificuldades por Besiktas e Sevilha. Até que chegaram as meias-finais e oReal Madrid, velho conhecido do velho mago alemão, que ao serviço dos merengues conquistou pela primeira vez na carreira a Liga dos Campeões (1997/98), acabando com 32 anos de seca merengue na prova. O Bayern esteve em vantagem nas duas mãos, mas em ambas permitiu a reviravolta dos verdadeiros bichos papões da competição, impedindo o mais velho treinador da história da prova a alcançar a quarta final da carreira.
O autoritarismo que se impunha
A quatro dias de completar 73 anos, Jupp Heynckes mantém a figura esguia. «Nunca gostei de ver treinadores com 20 quilos a mais», disse já em inúmeras ocasiões. Amante de bons vinhos, é respeitado pelos jogadores, apesar do perfil rígido e autoritário. Nesta última passagem pelo Bayern, por exemplo, impôs uma série de regras no balneário bávaro, na tentativa de fomentar o espírito de união e companheirismo. Estabeleceu a obrigatoriedade de fazer refeições conjuntas (também para controlar a dieta dos atletas), baniu o uso de telemóveis à mesa ou no ginásio, obrigou os jogadores a arrumar os seus espaços no balneário, instituiu punições para atrasos nas concentrações para treinos ou jogos e eliminou os chamados grupinhos. Aparentemente, resultou em pleno. «A disciplina que ele trouxe foi muito importante. Quando chegou, falou com todos os jogadores, um por um. É muito bom para nós saber o que o treinador quer ou não quer ver», assumiu Mats Hummels, um dos mais cotados elementos do plantel. «Sou uma pessoa terra-a-terra. A minha melhor qualidade é a autenticidade. Os jogadores sabem que sou um treinador que toma decisões baseadas nas suas exibições e que me esforço por manter toda a gente o mais feliz possível», explica Heynckes sobre si, garantindo que desta é mesmo de vez: a 30 de junho, dia em que termina o seu contrato com o Bayern, acabou para sempre.
Na carreira, iniciada em 1979/80 no seu Borussia Monchengladbach e com passagens felizes também por Athletic Bilbau, Tenerife e Bayer Leverkusen, uma mancha ficará para sempre: o 7-0 a que foi vergado em Vigo em 99/00, ao comando do Benfica, onde passou um tristonho ano e pouco. Mas tudo bem, caro Jupp. Haverá sempre o Bayern para ser feliz novamente.