Este foi o título da conferência de Cristine Loh proferida na Fundação Calouste Gulbenkian, em Novembro de 2010, no âmbito de um ciclo de grandes conferências destinadas a debater as grandes questões da atualidade de então.
Cristine Loh, jurista e fundadora de um dos principais think tanks da Ásia relativamente a políticas públicas, vaticinou algumas das coisas que estão a acontecer não só no continente asiático e no Mar da China mas no mundo – e que têm a China como um dos principais protagonistas.
Num planeta cada vez mais permeável aos acontecimentos supranacionais e supra estaduais, o futuro da humanidade e de cada um de nós dependerá cada vez mais do ‘olhar’ da China para o mundo e do ‘olhar’ do mundo para a China. E não só politicamente. Mas também economicamente, socialmente, ambientalmente, militarmente e, em muitas outras variáveis, da geopolítica e da geoeconomia.
Situada no continente asiático, a China é um dos principais protagonistas da vida internacional.
Membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas, com uma população cada vez maior e mais qualificada e informada, com forças armadas altamente organizadas e cada vez mais modernas, com um mercado interno cada vez mais consumidor, propenso à abertura ao exterior e permeável à livre iniciativa, com uma política externa (nas variáveis diplomática e também de defesa) determinada a recuperar a influência de outrora da ‘grande China’, a China tem vindo a influenciar crescentemente a cena internacional.
A sua mais recente decisão de definir uma nova estratégia para a antiga ‘rota da seda’, recuperando e atualizando a sua vocação de potência comercial universal (não só de base continental, saliente-se), é bem reveladora da sua intenção de querer marcar, em pleno século XXI, a sua relação com o mundo.
Seja a China ‘fábrica do mundo’; seja a China que compra dívida pública de vários países relevantes dos vários continentes; seja a China que elegeu o continente africano como prioridade na extensão da sua influência política e económica; seja a China que aposta forte na Europa e em vários dos seus países, com investimentos e compras de ativos em setores estratégicos, como são os casos da energia, das infraestruturas, da banca, dos seguros, incluindo empresas cotadas em Bolsa.
Isto sem esquecer a aposta em externalizar muitos dos seus investimentos em audiovisual, cinema e tudo aquilo que tem efeito multiplicador nos novos media e na indústria de filmes e séries, não só enquanto país consumidor mas também como país produtor.
Há várias décadas, alguns académicos e cultores do estudo dos séculos XX e XXI e da globalização profetizaram, como foi o caso de Raymond Barre, que este século iria ser o século da Ásia e, consequentemente, da China. O século em que até a grande potência ocidental, os EUA, iria assumir a Ásia como uma prioridade – o que foi antecipado e protagonizado por Barak Obama, com o reconhecimento da sua relevância já não só política mas militar, económica e social.
O mundo percebeu – sobretudo o mundo ocidental, após a eleição de Donald Trump – que a unipolaridade ocidental, na veste normativa e na veste militar, iria precisar mais da China para o seu equilíbrio do que alguma vez teria imaginado. Em fóruns internacionais, institucionais e não institucionais, exemplos não faltam. Recorde-se o que o Presidente chinês reafirmou no último fórum de Davos, a propósito da Organização Mundial de Comércio (OMC).
Quem imaginaria há uns anos (mesmo carregado de febre económica e política) que um dia iríamos assistir à defesa da sociedade aberta e do livre comércio mais por parte da China do que dos EUA? Globalismo, sociedade aberta, ordem internacional liberal, protecionismo, americanismo, etc., etc. Conceitos. Qualificações. Hoje muito pouco convencionais na sua defesa, para países como os EUA e a China. Nos últimos anos, Portugal percebeu e colheu (e não tem sido pouco) o que a China tem feito fora de portas. Investimentos. Compras. Estratégias. Para nós – mas também para a Europa e, sobretudo, para a África e a CPLP.
O equilíbrio do globo já não depende apenas da unipolaridade. E do ‘polícia do mundo’. Dos EUA. E complementarmente da NATO. Só a maioria dos nossos media, que nos vendem o nosso mundo e as nossas vidas ‘ocidentais’, é que o procuram significar, muitas vezes fora da realidade.
O mundo tem estado a mudar. Muito mesmo. Não é tão pequeno como achamos e queremos. Não é nem será tão transparente quanto na Europa e no Ocidente queremos. Não é nem nunca será a ‘aldeia global’, onde tudo será organizado e feito como desejamos.
Países como a China estão cá para o provar. Pergunta-se: o mundo tem vindo a acomodar-se à China ou a China ao mundo? Ou as duas coisas? Se Confúcio fosse vivo, talvez nos explicasse melhor que ninguém as diferenças. A roda da História está aí para nos dar mais umas lições. A grande China está de regresso. Tem muito ainda para fazer. Paciente e sabiamente. Quanto a nós, resta-nos aproveitar o que de bom nos poderá proporcionar.
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