O presidente do Banco Privado Atlântico e vice-presidente do Millennium BCP negou ontem em tribunal ter oferecido um emprego ao antigo procurador do DCIAP Orlando Figueira, garantindo não saber qual a motivação da tese apresentada pelo antigo magistrado em tribunal. O banqueiro, que continuará a ser ouvido hoje, na qualidade de testemunha, garantiu que mesmo quando lhe pediram um trabalho para Figueira, recusou ajudar. Garantiu ainda ao coletivo que nunca falou com o advogado Daniel Proença de Carvalho sobre qualquer caso a envolver o antigo magistrado.
As divergências foram tantas que levaram a defesa de Orlando Figueira a pedir uma acareação, ou seja, uma confrontação de versão em tribunal – a decisão do coletivo sobre se se justifica ou não a diligência só será conhecida hoje. A versão de Orlando Figueira sobre a sua contratação por Carlos Silva coincide com a do arguido Paulo Blanco, advogado que representou o Estado angolano em diversos processos.
Como Carlos Silva diz ter conhecido Orlando Figueira
“Conheci o dr. Orlando Figueira em maio de 2011 no DCIAP, quando fui prestar declarações como testemunha. Tudo começou quando recebi uma chamada do dr. Paulo Blanco dizendo que o dr. Rosário Teixeira me queria ouvir como testemunha num processo e, findo esse momento, ficou uma conversa de cortesia e apareceu depois o dr. Orlando Figueira, que me foi apresentado aí”, disse a instâncias da procuradora Leonor Machado, adiantando: “E ele disse-me: ‘Então não se recorda de mim? Já o ouvi para memória futura no caso Banif.’”
Apesar desse episódio anterior, diz que só nesse dia é que conheceu realmente Orlando Figueira, tendo sugerido a realização de um almoço para o dia seguinte com o arguido Paulo Blanco, que fez a cortesia de o acompanhar, e os procuradores Orlando Figueira e Rosário Teixeira – almoço que acabou por acontecer dias depois.
E explicou porque decidiu sugerir esse almoço: “Angola era um tema de muitas conversas em Portugal pelo óbvio que todos sabemos. Era um período de crescimento da nossa economia, e eu, de facto, a iniciativa foi minha, não sabia como sair daquela conversa cortês do senhor magistrado e disse: ‘E se almoçássemos amanhã?’ Não sei se o convite foi quando ainda só estava o dr. Rosário Teixeira e o dr. Paulo Blanco, mas no fim também se estendeu a Orlando Figueira. Acabou por não ser no dia seguinte, e quem apareceu foi apenas o dr. Paulo Blanco e o dr. Orlando Figueira.”
Um dos pontos sobre os quais recaiu o pedido de acareação é o facto de Carlos Silva ter dito que nesses encontros nunca se falou de um trabalho para Figueira – contrariamente à tese dos arguidos. Outro dos pontos em que se verificou contradição é que, antes do episódio do DCIAP, Figueira e Carlos Silva já se haviam encontrado em Angola – os arguidos dizem que sim, o banqueiro nega.
“Só soube o que é a Semana da Legalidade [evento em que Orlando Figueira esteve] quando começou o processo Fizz. E dizerem que fui de calções para um hotel de negócios para dar mais veracidade… Há coisas que machucam um bocado”, disse.
Blanco ligou-lhe a pedir emprego para Procurador A testemunha deixou claro que, a partir do almoço no Hotel Ritz, recebeu alguns contactos de Paulo Blanco a pedir um emprego para Figueira, acrescentando que nunca deu andamento a nada.
“Depois do almoço, quando regresso a Luanda, dias depois, recebo um telefonema do dr. Paulo Blanco a dizer-me que o dr. Orlando Figueira estava à procura de emprego e a perguntar-me se havia algum desafio para o dr. Orlando Figueira no banco. Pareceu-me que era um telefonema de alguém que estava a tentar ajudar outrem que estava a ultrapassar um problema pessoal, um momento difícil. Não uma cunha. Eu fui muito claro: no banco não temos nenhum desafio para o dr. Orlando Figueira”, referiu, continuando: “O dr. Paulo Blanco insistiu: ‘Ó Carlos, mas vocês têm uma dimensão…’ E eu disse que não tínhamos desafio nenhum para o dr. Orlando Figueira.”
Perante nova insistência, porém, Carlos Silva admite que aconselhou Paulo Blanco a falar com Paulo Marques, então administrador do banco com o pelouro jurídico. “Um presidente de um banco tem de estar muito concentrado, senão não cumpre bem o seu mandato. E conversas de ajudar alguém não fazem parte”, salientou.
Foi neste momento que Carlos Silva disse ser um desrespeito para com o então administrador com o pelouro jurídico Paulo Marques (que já morreu) a versão apresentada pelos arguidos. “Em memória do dr. Paulo Marques e em respeito por quem não se pode defender, tenho de dizer o seguinte: li que se disse aqui que o dr. Orlando Figueira iria substituir o dr. Paulo Marques… O dr. Paulo Marques era administrador e fundador do banco e eu tenho a honra de continuar de trabalhar com os filhos. É absurdo o que se disse. Como é que o dr. Orlando Figueira ia substituir um fundador, um jurista com um grande capital de experiência?”, questionou.
O momento a partir do qual deixou de saber de Figueira Depois de ter dado tal conselho, afirma que nunca mais teve conhecimento de nada do que se passou com Orlando Figueira, nem ter sabido da sua contratação pela sociedade Primagest – a mesma que Orlando Figueira diz estar ligada ao banqueiro.
Carlos Silva explicou ainda que Paulo Blanco – que conheceu em 2008/2009 – sempre tentou, de forma educada, ganhar alguma confiança pessoal, algo que nunca fez, dado o tratamento institucional que imprimiu na relação entre ambos. “O dr. Paulo Blanco procurou criar uma relação de proximidade comercial, de uma forma educada. E eu procurei, também de uma forma correta, centrar tudo naquilo que achava que deveria ser: uma relação institucional correta…”, disse.
Os emails comprometedores que diz nunca ter visto Mas não foram só telefonemas: no processo existem emails enviados por Paulo Blanco para Carlos Silva com as minutas do contrato de trabalho de Orlando Figueira com a Finicapital (só depois foi alterado o empregador para a Primagest). Quanto a esses emails, Carlos Silva garantiu que nunca os lera: “A primeira regra de disciplina de um gestor é: os emails são com uma assistente, a disciplina é ver os emails das pessoas com quem o gestor do banco interage.”
Mas, além da insistência, o texto dos emails sugere que tinha havido uma conversa prévia ao seu envio entre Blanco e Carlos Silva, algo que foi questionado pelo juiz Alfredo Costa: “Não acha estranho Paulo Blanco ter enviado a minuta de um contrato? Tem de haver alguma coisa por trás?”
“Agora, a esta distância, não sei… seria por a Finicapital ter uma parceria importante com o banco na baía de Luanda e eu podia pressionar? Não sei”, respondeu o banqueiro.
Diz não ter falado com Proença sobre ex-procurador Carlos Silva admite que houve um momento, em 2015, em que voltou a ouvir falar do nome Orlando Figueira, através de um administrador do Millennium BCP, que lhe transmitiu um recado. Segundo o antigo procurador tem dito, nessa altura já estava desesperado por não ver cumprido o seu contrato, assinado com a sociedade Primagest, e pediu que Iglésias Soares tentasse, junto de Carlos Silva, influenciar e resolver tudo o que estava pendente.
Mas essa versão não corresponde ao que Carlos Silva disse ontem. O banqueiro afirma que Iglésias Soares lhe deu conta dos problemas que Orlando Figueira estava a ter, mas com transferências pendentes: “O dr. Iglésias Soares disse-me que o dr. Orlando Figueira o tinha procurado por ter transferências pendentes no BPA. Não era caso único. O número de transferências pendentes em Angola era superior a dois biliões de dólares em 2015.” Mas garante nunca lhe ter sido dito que era no âmbito de um contrato que tinha esse dinheiro a receber.
Carlos Silva disse ainda que Daniel Proença de Carvalho nunca foi coordenador jurídico do BPA, nem em Angola nem em Portugal: “Nem nunca teve contrato com o banco. A Uría Menéndez é um dos escritórios com quem o banco trabalha.” E disse durante a manhã de ontem nunca ter falado com o conhecido advogado a propósito de qualquer caso que envolvesse Orlando Figueira.
Reações de arguidos e testemunha à saída do tribunal
Ontem, à saída do tribunal, o procurador Orlando Figueira mostrou-se perplexo com a versão de Carlos Silva perante o tribunal.
“Depois de dois anos de maldade que este indivíduo fez a um homem com 23 anos imaculados de magistratura, que tivesse metido a mão na consciência e viesse dizer a verdade, e não veio”, atirou.
Paulo Blanco, por seu lado, explicou que sempre assumiu o que fez e que esperava o mesmo dos restantes intervenientes, referindo-se à testemunha. Já Carlos Silva preferiu não fazer qualquer comentário, alegando que respeita o tribunal e que vai continuar a prestar declarações de forma responsável.
A acusação defende que Orlando Figueira foi corrompido pelo ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente. Os montantes que recebera através do contrato de trabalho e de um empréstimo (cerca de 760 mil euros) terão sido, segundo o MP, uma contrapartida pelo arquivamento de dois processos que visavam Vicente. Os dois arguidos negam esta tese e, antes de o julgamento começar, revelaram que fora Carlos Silva a contratar o ex-procurador. Alegam ainda que Proença de Carvalho teve interferência na cessação do contrato de trabalho com a Primagest e fez posteriormente um acordo de cavalheiros com Orlando Figueira para que, nos interrogatórios, este nunca referisse o nome de Carlos Silva nem o seu.
Carlos Silva aceitou vir a Lisboa depor depois de o tribunal ter tentado por diversas vezes notificá-lo e de ter decidido participar do Banco Privado Atlântico por desrespeito e falta de colaboração com a justiça. Inicialmente, a hipótese avançada era que a audição fosse feita por videoconferência, tendo depois sido acordado que viria pessoalmente ao Campus de Justiça.