Cannes. Entre polémicas e processos não há de falhar o cinema

Com o filme de Terry Gilliam ainda incerto para a sessão de encerramento depois de Paulo Branco ter processado o festival, certo é o regresso de João Salaviza, agora com uma longa rodada no Brasil, ao festival que em 2009 lhe deu a Palma de Ouro

Com “Todos Lo Saben” como filme de abertura, começou ontem o 71.o Festival de Cinema de Cannes, e à hora de fecho da edição pouco mais seria possível dizer além do nome dos protagonistas: Penélope Cruz e Javier Bardem, para o primeiro filme em espanhol do realizador iraniano de “O Vendedor” (2016) e “Uma Separação” (2011). Isto porque antes de se conhecer a seleção de filmes para este ano, já o diretor de programação, Thierry Frémaux, havia anunciado o fim das sessões de imprensa de manhã, antevendo as estreias de cada noite.

“Recuperar a atratividade e o brilho das galas” era o objetivo, segundo explicou no mesmo dia em que anunciou a proibição das selfies na passadeira vermelha. “Às 19h, a imprensa assistirá ao filme ao mesmo tempo [que os convidados e os profissionais do setor] no Debussy. O suspense será total!”

Numa edição a deixar de fora nomes como Mike Leigh, Luca Guadagnino, Claire Denis, Brian De Palma, Harmony Korine, László Nemes ou Paolo Sorrentino, todos eles com novos filmes em mãos, os olhos estarão nesta 71.a edição, que começou ontem e decorre até dia 19, sobretudo postos no novo título de Farhadi, claro – o realizador que, em protesto contra Trump, no ano passado se recusou a viajar aos Estados Unidos para receber o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro pelo seu anterior “O Vendedor”, passado em Teerão – mas também nos novos filmes de Spike Lee (“BlacKkKlansman”), de Jean-Luc Godard (“The Image Book”) e de Pawel Pawlikowski, o realizador de “Ida”, que em Cannes estreia agora “Cold War”.

A juntar a estes, ainda Ron Howard com o seu “Han Solo: Uma História Star Wars”, a dar continuidade ao franchise da saga de George Lucas. E, mais aguardado ainda, o malfadado filme por 19 anos adiado por Terry Gilliam, que ao primeiro dia de festival continuava por se dar como certo para a sessão de encerramento devido à ação interposta em tribunal contra o festival pelo produtor português Paulo Branco. Depois de um desentendimento com o produtor, Gilliam pediu no ano passado a anulação do contrato de produção com a Alfama Films, mas o Tribunal de Grande Instância de Paris declarou, ainda que sem impedir que o filme fosse rodado, que continuava válido. Com a polémica ainda acesa e vários processos a correr ainda noutros tribunais, o filme foi entretanto anunciado para o encerramento do festival.

A decisão do tribunal de Paris sobre se o filme poderá ou não ser exibido deverá ser conhecida hoje, depois de na segunda-feira ter sido protelada por dois dias.

Estreie em Cannes ou não, “O Homem Que Matou Dom Quixote”, protagonizado por Adam Driver e com Joana Ribeiro no elenco, tem já marcada a data de estreia nas salas francesas. Com a participação de vários atores portugueses conta também a coprodução portuguesa, pela Fado Filmes, de “O Grande Circo Místico”, do brasileiro Cacá Diegues, que se estreia numa sessão especial.

Entre a seleção oficial, na secção Un Certain Regard, estreia “Chuva É Cantoria na Aldeia dos Mortos”, no regresso de João Salaviza ao festival que em 2009 lhe deu a Palma de Ouro pela curta “Arena”, desta vez com um filme brasileiro, realizado em conjunto com a sua mulher, Renée Nader Messora. Na paralela Semana da Crítica, “Diamantino”, primeira longa de Gabriel Abrantes, correalizada e escrita com o norte-americano Daniel Schmidt, com quem já havia colaborado no passado, e ainda “Amor, Avenidas Novas”, a curta de escola com que Duarte Coimbra foi ainda este fim de semana premiado no IndieLisboa.

Tema de hoje será certamente a contenda entre Paulo Branco, de um lado, e Terry Gilliam, apoiado por Thierry Frémaux, do outro, mas não o único para esta edição. Ontem, em conferência de imprensa, Cate Blanchet, presidente de um júri que conta com nomes como Kristen Stewart, Ava DuVernay, Lea Seydoux ou Khadja Nin, voltou a colocar em cima da mesa a questão da representatividade (ou falta dela) de género na programação do festival ao lembrar que, entre os 21 filmes em competição, apenas três são realizados por mulheres, lembrando, por outro lado, que em 2015 eram apenas dois e que a mudança “não acontece da noite para o dia”.

Ainda em abril, já Frémaux se tinha antecipado na discussão, reiterando que a seleção dos filmes se faz “pelas suas qualidades intrínsecas”, não com base em critérios de género, e acrescentou, em tempo de #TimesUp: “O mundo nunca mais será o mesmo… e questionaremos as nossas práticas em relação à paridade”, nos salários e na escolha dos júris, mas que “jamais existirá discriminação positiva para as mulheres na seleção.”