Dalian é uma cidade-porto habituada à ocupação, pelos russos (1898-1905), pelos japoneses (1905-1945) e pela União Soviética (1945-1955). Foi a partir daqui que os chineses expandiram os seus territórios pelo norte da Coreia entre os séculos iii a.C. e iii d.C. E foi aqui que os líderes chinês, Xi Jinping, e norte-coreano, Kim Jong-un, realizaram uma cimeira entre segunda e ontem. Com a surpresa adicional de Kim ter feito a viagem de avião: 359 km sobre o mar Amarelo.
Tudo indica que a preparação da cimeira de Kim com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foi a principal razão para o reencontro, pouco mais de um mês depois de se terem reunido em março, em Pequim, na primeira viagem ao estrangeiro do chefe de Estado norte- -coreano desde que assumiu o poder, em 2011.
Trump usou o seu canal de informação preferido para publicar um tweet a dizer que iria falar por telefone com Xi Jinping: “Os temas principais serão o comércio, onde coisas positivas podem acontecer, e Coreia do Norte, onde relações e confiança estão a ser construídas” – sinal de que as três partes estão em permanente diálogo para a preparação da cimeira histórica Kim-Trump, que tudo indica acontecerá no princípio de junho em Singapura.
O secretismo da cimeira na costa do mar Amarelo não surpreende, tendo em conta aquela que costuma ser a prática habitual da Coreia do Norte, que só anuncia as viagens depois de elas acontecerem. O facto de ser um segundo encontro em tão pouco tempo, principalmente para um líder que não saía do país desde que chegou ao poder, é muito importante e simbólico para Pequim, sempre preocupada com esse lado das relações internacionais. Fica a ideia de que, mesmo não estando presente diretamente na cimeira, Xi é parte essencial desse encontro histórico entre os líderes norte-coreano e norte-americano.
“A primeira visita de Kim à China foi realmente uma visita de boa vontade, mas esta foi mais substancial, o que, estou em crer, tem a ver com o acordo político final da questão coreana”, disse ao “South China Morning Post”, Cheng Xiaohe, diretor adjunto do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais da Universidade Renmin, em Pequim. “Que papel poderá desempenhar a China na desnuclearização da Coreia do Norte e o que a China poderá fazer terá ocupado a maior parte das conversações”, acrescentou.
O encontro de Dalian terá sido preparado na semana passada, na visita do ministro chinês dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, que se reuniu em Pyongyang com Kim Jong-un, como divulgou o ministério chinês na quinta-feira. Em dois dias na capital norte-coreana, na primeira visita à Coreia do Norte de um chefe da diplomacia chinesa desde 2007, Wang reuniu-se também com o seu homólogo Ry Yong-ho.
Ao mesmo jornal, Cha Du-hyeogn, investigador associado do Instituto Asan de Estudos Políticos, em Seul, afirmou que “Kim está a enviar uma mensagem clara para os Estados Unidos de que ele não será o único a negociar à mesa. A sua visita também envia uma mensagem a Trump de que deverá haver compensação suficiente em troca da sua desnuclearização porque tem o apoio da China. Desta forma, Kim está a usar a China como trunfo antes da cimeira que aí vem”.
Também é simbólico que tenha sido Pequim a emitir o comunicado conjunto no final do encontro, onde se inclui um elogio do líder norte-coreano à ação da China em prol da desnuclearização na península da Coreia, ou, mais propriamente, “a gratidão” de Kim Jong-un “pela contribuição significativa e de longa data da China na concretização da desnuclearização”.
Em troca do reconhecimento desse papel substancial da China no passado e no presente, Kim terá pedido a Pequim, segundo analistas referidos pelo “New York Times”, um alívio das sanções duras aprovadas o ano passado nas Nações Unidas e que a China votou favoravelmente a duras penas. E o líder norte–coreano terá colocado em cima da mesa a possibilidade de, a não ser o governo chinês a aliviar as agruras económicas da Coreia do Norte, que seja a Coreia do Sul a ajudar. Nesta nova era de relações entre o Norte e o Sul da península e de toda a abertura demonstrada pelo presidente Moon Jae-in na cimeira histórica de final de abril, a China sabe que Kim não está a fazer bluff.
A televisão chinesa mostrou imagens das duas delegações sentadas à mesma mesa em Dalian, com Xi acompanhado de um dos seus mais próximos colaboradores, Wang Huning, e Kim tendo vários altos dirigentes consigo, incluindo o chefe da diplomacia, Ry Yong-ho.