Irão. De novo humilhada, a Europa tenta retaliar

Bruxelas quer blindar as empresas que pretendem negociar com o Irão e proteger, por agora, o pacto. É um desafio ardiloso, mas a Europa, como avisou Merkel, está só.

A Europa da era Trump colecionou já um conjunto revelador de contrariedades.

Tentou, sem sucesso, convencer o presidente norte-americano a manter-se no acordo de Paris para o combate às alterações climáticas. Procurou dissuadi-lo de deslocar a embaixada em Israel de Telavive para Jerusalém.

Não conseguiu.

Tentou várias vezes espremer-lhe uma declaração forte de apoio à NATO.

Não foi capaz.

Finalmente, nos últimos meses e numa série de reuniões de bastidores, procurou renegociar com os americanos um desfecho impossível: um novo acordo nuclear iraniano que pudessem apresentar como uma frente comum a Teerão, Moscovo e Pequim de forma a aguentar Trump no pacto.

Acabou em fracasso.

Emmanuel Macron, Theresa May e Angela Merkel saíram envergonhados dos peditórios na Casa Branca e esta quarta-feira apanhavam os cacos de mais um entendimento internacional deixado moribundo pelo desaparecimento americano. Pelo éter ecoavam as palavras da chanceler alemã, em março de 2017, uns dias depois do primeiro contacto com Trump:

“O tempo em que podíamos contar completamente com os outros acabou (…) Nós, os europeus, temos de depositar o destino nas nossas próprias mãos.”

Europa bate o pé

O golpe ao acordo iraniano, todavia, pode ter provocado enfim uma resposta europeia aos ensejos isolacionistas americanos. O presidente francês telefonou esta quarta ao seu homólogo iraniano para assegurar que os europeus se mantêm no acordo que Trump rasgou e que pretendem prosseguir o investimento prometido a Teerão. Mas as empresas europeias, russas e chinesas que negociarem daqui para a frente com instituições iranianas podem ver-se punidas pelo Tesouro americano (ver texto ao lado).

Para o evitar, a União Europeia anunciou esta quarta que tentará criar uma legislação para blindar as suas empresas de punições americanas relacionadas com o Irão. Na próxima semana, França, Reino Unido e Alemanha vão reunir-se com responsáveis iranianos para debaterem este ponto, mas o tiro de partida já está lançado. “O alcance internacional das sanções faz dos Estados Unidos o polícia económico do planeta, e isso é inaceitável”, disse esta quarta-feira o ministro francês das Finanças, Bruno Le Maire. O seu parceiro dos Negócios Estrangeiros, Jean-Yves Le Drian, carregava na mesma tecla: “O acordo não está morto.”

A sua sobrevivência está em dúvida e depende de uma batalha espinhosa.

Tensão

O mercado americano pode revelar-se demasiado importante para que as empresas europeias o arrisquem, com ou sem as garantias de Bruxelas. Para além disso, o novo entendimento comercial depende também do governo de Hassan Rouhani, altamente enfraquecido com a manobra americana. Rouhani é agora visto por muitos como um presidente decorativo, golpeado pela morte anunciada de um acordo no qual investiu quase todo o capital político.

Os clérigos radicais têm poder sobre quase todos os órgãos do Estado, incluindo câmaras de comércio e organismos eleitorais, e, vendo-se fortalecidos pelo fim do pacto nuclear, podem enterrar os pés na areia e garantir que qualquer tipo de investimento europeu resulta em fiasco. O parlamento iraniano aprovou ontem a permanência no pacto nuclear, por agora, mas um grupo de deputados radicais subiu ao púlpito para queimar uma bandeira americana e um fac-símile do tratado. “Morte à América”, gritaram.

A Europa tenta sustentar com mãos trémulas o pacto nuclear iraniano, mas as consequências já se fazem sentir. O governo israelita disparou mísseis contra uma base militar síria na terça-feira à noite, alegadamente matando oito iranianos a sul de Damasco.

Esta quarta-feira, a televisão pública israelita anunciava a instalação de várias baterias antimíssil na fronteira com a Síria, sublinhando o risco de um confronto indireto entre Telavive e Teerão na guerra civil. Em Moscovo, com Vladimir Putin celebrando a rendição da Alemanha nazi ao Exército Vermelho, Benjamin Netanyahu disse esta quarta que discutiu com o presidente russo a preocupação israelita número um: que o Irão faça da Síria uma plataforma de lançamento de um ataque a Israel. “Disse ao presidente Putin que temos o direito de tomar os passos necessários para salvaguardar os nossos interesses de segurança”, disse.