Israel começou com guerra, tem vivido com guerra e, hoje, 70 anos depois, é ainda a guerra que marca o quotidiano de um país onde a população adulta tem de cumprir dois anos e oito meses de serviço militar obrigatório (as mulheres dois anos), reciclar-se regularmente (um mês a cada três anos até aos 40; até aos 45 para os oficiais) e estar disponível para combater a qualquer momento.
Este estado de permanente alerta tem marcado as sete décadas do país acalentado pelos judeus do mundo ao longo de séculos, sonhado e teorizado por Theodor Herzl, forçado pelo terrorismo do grupo paramilitar Haganah e que a tragédia do Holocausto ajudou a que se tornasse realidade no território da Palestina anteriormente ocupado pelo Reino Unido.
Depois da declaração de independência de Israel, a 14 de maio de 1948, rebentou no dia a seguir a guerra árabe-israelita que iria marcar os primeiros nove meses do novo Estado. Passados sete décadas, as Forças de Defesa de Israel continuam ativas e beligerantes, tendo atacado esta semana alvos iranianos na Síria, aumentando de sobremaneira a tensão no Médio Oriente e levando o Irão a ameaçar agora com a destruição das cidades de Telavive e Haifa. «Vamos expandir a capacidade dos nossos mísseis apesar da pressão ocidental para fazer saber a Israel que agiram estupidamente, Telavive e Haifa serão completamente destruídas», disse ontem o clérigo Ahmad Khatami, membro do conselho dos sábios e líder substituto das orações de sexta-feira em Teerão.
Esta necessidade de olhar permanente por cima do ombro, esta condição de viver no meio de um meio hostil tem marcado a história de Israel, cuja identidade está marcada pelo belicismo. E que nos últimos anos se foi acentuando, com mudanças demográficas que reforçaram a mudança ideológica da sociedade para a direita em termos de espetro político.
Uma direita que ganhou nesta nova Administração norte-americana um aliado de peso. Aí está inauguração da Embaixada dos Estados Unidos em Jerusalém como prova disso mesmo na segunda-feira, incluída nas comemorações do dia da independência. É um dos dois presentes de Donald Trump a Israel e ao Governo de Benjamin Netanyahu, sendo o outro a saída do acordo nuclear com o Irão. Luz verde para os ataques das Forças de Defesa de Israel contra alvos iranianos na Síria.
«No princípio era caos e lama», escreveu o romancista Arthur Koestler no seu primeiro artigo sobre a criação do Estado de Israel há 70 anos para o Manchester Guardian. No meio de um conflito com os palestinianos árabes, ameaçado pela invasão dos países à volta, sem fronteiras bem definidas, o novo Estado formava um governo e forjava a resistência. Israel nascia num meio hostil e depressa mostrou que aprendera a hostilizar.
Como escreveu Koestler nessa altura, agora citado pelo The Guardian, «os primeiros um ou dois anos da existência de Israel serão decisivos para o seu futuro e depende dos líderes que ressuscitaram o Estado Judaico contra probabilidades quase impossíveis». Os inimigos árabes pensaram o mesmo e envolveram-se numa guerra que julgaram ganhar e que contribuiu para esse princípio do resto da vida de Israel.
Outras guerras vieram e outras pazes. Entre conflitos de grande dimensão, invasões, ocupações, intifadas, litros de sangue na terra seca de onde Israel aprendeu a extrair muito, consolidou-se um país jovem com história de nação antiga. «Os israelitas estão unidos pelo destino. Quando a nossa existência é questionada, unimo-nos», afirma Yeddia Stern, vice-presidente do Instituto de Democracia de Israel, citado pela AFP.
Essa ideia quase messiânica de destino tem levado, nos últimos anos, a uma utilização desmesurada de meios para reprimir qualquer possibilidade de existência independente para os palestinianos. Com a ostensiva expansão dos colonatos, a criação de um muro a dividir Israel da Cisjordânia, a manutenção da Faixa de Gaza como uma prisão a céu aberto – onde se reprime a ferro e fogo qualquer exigência, como se pode ver pelos cerca de 50 palestinianos mortos desde que a Grande Marcha do Regresso se iniciou em Gaza a 30 de março –, Israel está transformada, também, num Estado repressor que deitou por terra qualquer possibilidade de coexistir pacificamente com um Estado palestiniano.