Dentro da sala de audiência houve acusações, trocas de galhardetes e vários momentos de tensão.
A última semana foi decisiva para o julgamento do caso Fizz – onde estão todos os arguidos à exceção de Manuel Vicente -, tendo o presidente do Banco Privado Atlântico, Carlos Silva, afirmado nada ter a ver com a saída do antigo procurador Orlando Figueira do DCIAP e este respondido que o banqueiro estava a «mentir com todos os dentes».
Carlos Silva tem sido apontado pelos arguidos Orlando Figueira e Paulo Blanco como o homem que esteve por trás da contratação do antigo magistrado. Contrariamente ao que defende o MP, que considera ter sido Manuel Vicente a determinar a contratação de Figueira e os respetivos pagamentos, que se traduziram numa espécie de subornos pelo arquivamento de dois inquéritos que o visavam.
Depois de terem sido apresentadas versões opostas sobre como Carlos Silva e Orlando Figueira se conheceram e se relacionaram daí em diante o coletivo de juízes aceitou a proposta da defesa do antigo procurador para que fosse feito um frente-a-frente. E foi aí que os ânimos aqueceram, sempre com Carlos Silva impassível.
O antigo procurador, que teve em mãos diversos processos a envolver a elite angolana, começou por detalhar o encontro que diz ter tido com Carlos Silva em Luanda, em abril de 2011, onde esteve no âmbito da Semana da Legalidade. «Estava no meu quarto e o dr. Paulo Blanco foi-me chamar para descer. Em baixo estava o dr. Carlos Silva e tomámos um café ou uma Cuca [cerveja] no lobby. Foi a primeira vez que o dr. Carlos Silva me falou nessa possibilidade [de trabalhar para o BPA]. [Carlos Silva] Ia sozinho, vestido de forma casual. Estivemos os quatro – eu, ele, o dr. Paulo Blanco e a mulher. Aquilo que o dr. Carlos Silva disse aqui é falso».
A tese do banqueiro nos últimos dias foi a de que nunca convidou o antigo procurador para trabalhar e que nem sequer se encontraram em Luanda.
Carlos Silva fala de almoço no Ritz e diz que foi cortesia
Confirmou um outro encontro, no Ritz, em Lisboa, dizendo que foi apenas uma cortesia para a qual também foi convidado o procurador Rosário Teixeira – em que este não pôde estar presente. Carlos Silva disse mesmo que não só não encontrou Figueira em Angola como nem sequer sabia que existia um evento chamado Semana da Legalidade.
Aí, Orlando Figueira disparou: «Legalidade, tenho a certeza que não seja o forte do dr. Carlos Silva». Segundo a versão do arguido, no primeiro encontro em Luanda, o banqueiro manifestou interesse em que trabalhasse para o grupo Atlântico, algo que Figueira disse que poderia vir a acontecer quando se reformasse.
Tanto os arguidos Orlando Figueira como Paulo Blanco – advogado que defendeu o Estado angolano – contestam desde o início do julgamento a acusação do MP, referindo que a proposta de trabalho e os vencimentos auferidos por Figueira não são subornos de Manuel Vicente em troca do arquivamento de processos, mas sim um convite feito pelo banqueiro Carlos Silva, de quem nunca o antigo procurador teve processos em mãos.
Perante as acusações graves que lhe foram feitas, Carlos Silva manteve-se quase sempre em silêncio, reagindo por interpelação do juiz presidente Alfredo Costa: «É absurdo».
Depois viriam a encontrar-se em Lisboa a 20 de maio no DCIAP, quando Carlos Silva foi prestar declarações para memória futura no âmbito de um inquérito de Rosário Teixeira – e foi aí que terá sido agendado o almoço do Ritz.
Com os ânimos a aquecer e Carlos Silva a negar perentoriamente a versão apresentada, Orlando Figueira descontrolou-se e chegou a tratar o banqueiro como ‘este indivíduo’ e ‘este sujeito’. «Este sujeito propôs-me a remuneração de 15 mil dólares líquidos mensais», atirou, adiantando que também o empréstimo de 130 mil euros que recebeu do BPA e que o MP considera ser outro suborno de Vicente foi tratado com Carlos Silva.
‘Mentiu com todos os dentes’
Carlos Silva reagiu a estas palavras: «Estou a ouvir a sua história, é absolutamente falsa.»
Apesar de estar documentado o envio de emails de Paulo Blanco para Carlos Silva com uma minuta do contrato de trabalho de Orlando Figueira, o banqueiro nega ter tido qualquer intervenção e disse mesmo que nem viu tal email e que a gestão da sua caixa de correio é da sua secretária.
A versão foi atacada pelo antigo procurador: «Mentindo com quantos dentes tem, diz não ter recebido este email. Isto é uma criancice».
Um dos argumentos apresentado pelo banqueiro na última quarta-feira foi o de que, se tivesse «interesse em contratá-lo, tinha enviado o contrato para os órgãos competentes», o que diz não ter feito.
Apesar de Carlos Silva ter negado que alguma vez tenha pedido a Daniel Proença de Carvalho para cessar o contrato de Orlando Figueira com a Primagest (sociedade que acabou por figurar no contrato assinado), ou que lhe tenha pedido qualquer outra intervenção, até porque diz não ser seu advogado, Orlando Figueira enumerou diversas ligações de Carlos Silva a Daniel Proença de Carvalho. A tese foi rejeitada prontamente pelo presidente do BPA.
Figueira decidiu ainda fugir aos temas que estavam em cima da mesa e garantiu que quando, em março, fez queixa ao tribunal de ter sido ameaçado por alguém a mando de uma pessoa amplamente referida nos autos, estava a referir-se a alguém «a soldo» do banqueiro. Contou que um homem se encontrou no Ibis com a sua irmã e pediu para que ele empurrasse «a culpa para o morto», Paulo Marques, administrador do BPA, «porque os mortos não falam».
Chamado a um frente a frente com o banqueiro, Paulo Blanco também confirmou o encontro de Luanda e que foi Carlos Silva a contratar o procurador.
Testemunha diz que PJ e MP tinham estratégias diferentes
Ontem, foi ouvida a inspetora da PJ Anabela Ruivo, que participou em diligências e levantou algumas dúvidas sobre a forma como o MP conduziu esta investigação, referindo que a PJ defendia uma estratégia diferente da que foi seguida pelas procuradoras Inês Bonina e Patrícia Barão: «Enquanto Polícia sempre delineámos uma estratégia diferente daquela que foi seguida na investigação». Perante este depoimento o MP pediu para que fossem ouvidos os seus superiores hierárquicos, o inspetor chefe Bruno Miguel e o coordenador Pedro Fonseca. As alegações finais deste julgamento estão já marcadas para 21 e 22 de junho.