13 de maio de 2018 ficará para a história da Premier League. Será, para sempre, lembrado como o último jogo de Arsène Wenger enquanto treinador do Arsenal. O fim de uma era, 22 anos depois da chegada ao banco dos gunners de um francês que revolucionou o futebol ao mais alto nível em Inglaterra, mostrando aos britânicos que havia vida para lá do kick and rush.
Para muitos adeptos do gigante de Londres, Wenger já irá tarde. Há já alguns anos que largas fatias de seguidores dos gunners pedem a saída do veterano técnico – qualquer amante da modalidade reconhecerá facilmente a expressão ‘Wenger Out’, manifestada e partilhada nas ruas de Londres, nas bancadas do Estádio Emirates ou pelas redes sociais. O romantismo que Wenger incute na forma de jogar da equipa é reconhecido pelos adeptos como admirável, apaixonante e até sedutor… mas raramente vale títulos.
De facto, o Arsenal não é campeão há longos 14 anos – desde a formidável temporada 2003/04, na qual conseguiu o até então impensável feito de conquistar o campeonato inglês sem derrotas.
Nos primeiros oito anos ao comando do Arsenal, Arsène Wenger conquistou três campeonatos – o já citado de 2003/04 somou-se aos de 97/98 e 2001/02. A partir de 2004, porém, as prestações têm vindo a piorar de ano para ano: até à época passada, foram seis quartos lugares, quatro terceiros e apenas dois segundos. Em 2016/17, o Arsenal terminou pela primeira vez em 20 anos fora dos lugares de acesso à Liga dos Campeões (quinto), e esta época fez ainda pior: irá acabar em sexto, estando por agora a 12 pontos do último lugar de acesso à Champions. Pelo meio, gorou-se ainda o objetivo de voltar à liga milionária através da Liga Europa, ao cair nas meias-finais perante o Atlético de Madrid.
Queridos rivais
Ainda no fim da época passada, o Arsenal renovou com Arséne Wenger por mais duas temporadas. O técnico francês, de resto, sempre se manteve irredutível, apesar da forte contestação, manifestando o desejo de continuar o trabalho no clube e antevendo como longínquo o adeus.
Desta vez, porém, optou por pôr um fim à longa ligação, assumindo sentir, aos 68 anos, que esta é a «altura certa» para deixar o cargo. «Sinto-me grato pelo privilégio que tive ao servir o clube durante muitos anos memoráveis. Treinei o clube com total compromisso e integridade. Para todos aqueles que gostam do Arsenal, cuidem dos valores do clube. O meu amor e paixão para sempre», disse na hora do anúncio oficial do adeus, ao qual se seguiram uma série de tributos de muitas das figuras que marcaram a Premier League desde 1996.
Nunca fugiu a uma boa rivalidade. Nomeadamente com Alex Ferguson, outro exemplo de longevidade à frente de um clube e que atravessa agora um momento difícil – recupera de uma hemorragia cerebral, tendo mesmo estado em coma. Seria, no entanto, com um português que Wenger protagonizou as mais acesas discussões: José Mourinho, pois claro. Em 2014, por exemplo, o francês chegou a empurrar o Special One, então ainda ao comando do Chelsea.
Águas passadas não movem moinhos, diz o ditado, e neste caso aplica-se na perfeição. No seguimento do anúncio da despedida de Wenger, Mourinho reservou rasgados elogios para o rival. «Respeito a pessoa, o profissional e a carreira. Sempre disse que a memória de alguns pode ser curta mas que as verdadeiras pessoas do futebol não têm memória curta. Se ele está feliz com esta decisão então eu fico feliz por ele, e espero que não se reforme», afirmou, dias antes de defrontar Wenger pela última vez – antes desse encontro, que o Manchester United acabaria por vencer, houve lugar a uma homenagem a Arsène Wenger por parte de Alex Ferguson e do próprio Mourinho.
Boa Morte entre muitos fenómenos
Wenger, dizíamos lá atrás, revolucionou o futebol inglês. Assim que teve oportunidade, começou a dotar o plantel do Arsenal de jogadores jovens – e a grande maioria estrangeiros, o que haveria de marcar a diferença num campeonato até então assente nas bolas longas e num estilo de futebol mais físico, baseado no contacto e na força. Arsène Wenger privilegiava outros aspetos: um futebol apoiado, com a bola no pé e trocas constantes entre os jogadores, quase sempre rápidos e de grande qualidade técnica, numa cultura que estendeu a todos os escalões de formação.
«A minha filosofia é esta: construo uma equipa, criamos um estilo de jogo e instituímos uma cultura de clube. Os miúdos chegam com 16 ou 17 anos e quando acabam a formação têm um suplemento de alma, de amor pelo clube, porque foram educados aqui. Isso vai dar-nos uma força que os outros clubes não terão. Nós não contratamos estrelas de classe mundial, nós fazemo-las», dizia em 2006, em resposta às críticas por não gastar avultadas quantias de dinheiro em contratações.
Foi assim, por exemplo, que Luís Boa Morte chegou ao Arsenal em 97/98, então com 20 anos e diretamente da III divisão portuguesa (Lourinhanense) para a dobradinha em Inglaterra. Como ele, muitos outros nomes que viriam a fazer história no clube e na Premier League, como Anelka, Kanu, Fàbregas, Van Persie, Adebayor, Walcott ou Eboué, além de Thierry Henry, que haveria de se tornar num dos maiores nomes da história do Arsenal.
Findo o reinado de Wenger, muitos são os nomes apontados à sucessão. Para as casas de apostas, o italiano Carlo Ancelotti é o mais provável candidato, com o alemão Thomas Tuchel, o espanhol Mikel Arteta, o francês Patrick Vieira (ex-jogador de Wenger no Arsenal) ou o italiano Massimiliano Allegri logo a seguir. Menos prováveis, mas igualmente na lista, estão dois portugueses: Leonardo Jardim, que tem levado o Monaco a patamares impressionantes, e Paulo Fonseca, que está prestes a conquistar o segundo campeonato consecutivo na Ucrânia com o Shakhtar Donetsk. Dentro de poucos dias haverá, certamente, fumo branco – mas a tarefa do próximo comandante gunner nunca será fácil: o legado de Wenger vai pesar durante muito tempo.