Se John Bolton, o novo conselheiro de segurança de Donald Trump, estava a pensar numa forma de animar as negociações entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte com vista à cimeira marcada para 12 de Junho em Singapura, saiu-lhe a animação pela culatra. A ideia de que a melhor solução para Pyongyang é «o modelo líbio» de desnuclearização não sossegou os norte-coreanos. Tendo em conta que aquilo que Muammar Kadhafi conseguiu, com o fim do seu programa nuclear, foi ser derrubado e linchado em praça pública, o exemplo não foi feliz.
Enquanto Bolton «apertava todos os botões errados», como disse à Bloomberg Joe Cirincione, presidente do Ploughshares Fund, que apoia iniciativas com vista ao desarmamento nuclear, Trump apressava-se a contrariar as palavras do seu conselheiro: «O modelo líbio não é o modelo que temos em mente quando pensamos na Coreia do Norte». Até porque, acrescentou o Presidente dos Estados Unidos, «se olharmos para o modelo com Kadhafi, foi a dizimação total. Nós fomos lá para o derrotar».
Trump sublinhou ainda que não estava nos planos de Washington forçar uma mudança de regime na Coreia do Norte: Kim Jong-un continuará «no seu país, continuará a dirigir o país». Avisou, no entanto, que se não houver acordo o caso muda de figura. «Esse modelo será usado, muito provavelmente, se não conseguirmos chegar a acordo», disse Trump. Procurando alinhar a narrativa com a do seu conselheiro, acrescentou: «Penso que, quando John Bolton fez essa afirmação, estava a falar se tivermos problemas, porque não podemos deixar esse país ter ogivas nucleares. Simplesmente, não podemos».
A verdade é que aquilo que parecia correr sobre rodas e a velocidade de cruzeiro, de repente, tornou-se menos provável. A primeira cimeira entre um líder da Coreia do Norte e um líder dos Estados Unidos continua marcada para o dia 12 de junho, em Singapura, mas poderá não chegar a acontecer. «Temos de ver» se a cimeira ocorre como planeado, disse Trump na quarta-feira, garantindo que «não há nenhuma decisão» tomada. A porta-voz da Casa Branca, Sarah Sanders, no mesmo dia, deixava a ideia que o Governo norte-americano ainda está «esperançado que o encontro venha a ter lugar».
Kim não levou a mal proposta de Pompeo
O diário japonês Asahi noticiava na quinta-feira, citando várias fontes, que o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, na sua visita do dia 9 de maio a Pyongyang, terá apresentado a Kim Jong-un uma proposta: a entrega por parte do regime norte-coreano de várias ogivas nucleares, um míssil balístico intercontinental e outro material nuclear em troca da retirada da Coreia do Norte da lista dos Estados que apoiam o terrorismo.
Um dia depois dessa visita, a controlada imprensa norte-coreana deu pela primeira vez a notícia da cimeira de Singapura, sinal de que Kim não teria levado a mal a proposta dos EUA apresentada por Pompeo. O jornal estatal colocou mesmo na primeira página a foto de Kim a apertar a mão ao secretário de Estado norte-americano. Tudo indica, portanto, que terá sido a afirmação de Bolton a fazer soar os alarmes em Pyongyang.
Todos os sacrifícios que a Coreia do Norte tem obrigado o seu povo a fazer, todo o investimento no desenvolvimento do seu programa nuclear, os testes e demonstrações do poder de alcance do seu arsenal – com ogivas nucleares e mísseis capazes de as transportar a longas distâncias –, foram feitos de garantir a sobrevivência do regime, para que Kim se pudesse sentar à mesa com uma potência como os EUA e ter algo para negociar. Não admira que, ao ouvir o conselheiro nacional de segurança dos EUA, falcão entre falcões, a falar na televisão em modelo líbio, o regime norte-coreano se sinta ameaçado e reaja.
Kadhafi trocou a sobrevivência pelo fim do seu programa de desenvolvimento nuclear – que era ainda embrionário, diga-se. Kim não quer seguir esse exemplo que correu mal, ainda para mais sabendo que o seu peso nas negociações é muito maior que a Líbia alguma vez teve.
«Os EUA parecem ter aparecido com exigências adicionais e mais severas que a Coreia do Norte não gostou», explicou Go Myong-hyun, do Instituto Asan, à BBC. Aquilo que Pyongyang está a dizer é que se Washington «continua a fazer exigências» desagradáveis Kim Jong-un está disposto a abandonar as negociações.