O Instituto da Imprensa Internacional nomeou ontem o jornalista angolano Rafael Marques como o Herói da Liberdade de Imprensa Mundial de 2018, justificando a decisão por ser alguém que durante décadas sofreu “assédio e perseguições para expor a corrupção e os abusos de direitos humanos” no seu país.
Rafael Marques de Morais torna-se assim o 70.º a ser incluído na lista dos jornalistas que realizaram contribuições significativas para a liberdade de imprensa, especialmente com risco pessoal. Ironicamente, o jornalista recebeu a notícia numa altura em que enfrenta um processo em tribunal por injúria e ultraje por causa de notícias que escreveu a propósito de um terreno adquirido pelo então procurador-geral da República, João Maria de Sousa.
“Este prémio também demonstra a ironia de que com tantos casos de corrupção que a própria procuradoria tem estado a anunciar, só há um julgamento, o de quem luta contra a corrupção”, disse ao i por telefone o jornalista. Aliás, curiosamente, este mesmo julgamento, que tem a próxima sessão agendada para o dia 15 de junho, pode mesmo impedi-lo de estar presente na cerimónia de entrega do prémio, marcada para 22 de junho, em Abuja, na Nigéria.
Sobre o prémio, Rafael Marques explica que é, em primeiro, “uma grande surpresa”, depois “uma grande honra” e, finalmente, “o reconhecimento a um cidadão angolano que inspira muitos angolanos”, principalmente, “numa fase em que as pessoas começam outra vez a ficar sem esperanças sobre a governação em Angola”.
“Há muitas pessoas que olham para este prémio e se reveem nele como uma forma de resistência, continuando a acreditar que é possível, aqui em Angola, levantar a bandeira pela transparência, pela boa governação, e a denunciar sem medo todos aqueles que se envolvem nos grandes atos de corrupção e enfrentar todos os processos judiciais, todas as ameaças e julgamentos”, acrescentou o jornalista.
Rafael Marques reconhece que o fim dos 38 anos de poder de José Eduardo dos Santos e a chegada de João Lourenço à presidência da República trouxeram “alguma abertura” para a imprensa em Angola, tendo em conta que hoje “não há um sufoco da propaganda política” como havia. “Como bem disse o então embaixador itinerante António Luvualu, no tempo de José Eduardo nós respirávamos o oxigénio que o presidente tinha ganho com a paz”.
Mesmo assim, Rafael Marques refere que a imprensa em Angola continua a não ter um papel ativo no questionar das decisões do poder. Por exemplo, o Ministério dos Transportes anunciou “um consórcio público-privado para uma nova companhia aérea que envolve a TAAG e quatro ou cinco companhias privadas”, a quem o Estado concedeu uma “garantia soberana para que essa empresa fosse comprar aviões ao Canadá”. Ora, este consórcio envolve o ministro de Estado e da Casa Civil do presidente, Frederico Cardoso, que é um dos donos da Air 26; o ministro de Estado e da Casa de Segurança do presidente, general Pedro Sebastião, dono da Mazewa; e o irmão do chefe de Estado e secretário executivo da Casa de Segurança do presidente, o general Sequeira João Lourenço, dono da SJL Aeronáutica”, explica o jornalista angolano. Mais ainda, duas dessas empresas “a do chefe da Casa Civil e a do chefe da Casa de Segurança tinham sido proibidas de voar, porque estavam basicamente falidas”.