Nesse jeito tão inato à burocracia europeia de falar antes de tempo e irritar os Estados-membros, Bruxelas já começou a enviar recados ao novo executivo italiano que ainda nem sequer está formado e é composto por dois partidos eurocéticos que conseguiram, entre as suas muitas diferenças, suficientes pontos de contato para tentar formar governo.
“A mensagem política para a Itália é clara. Têm de continuar a reduzir a dívida pública”, disse o vice-presidente da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis. “Continuamos a recomendar que a Itália continue a reduzir a sua dívida e, para 2019, recomendamos um ajuste estrutural de 0,6%”, acrescentou Dombrovskis.
É certo que a Itália tem a segunda maior dívida pública da zona euro a seguir à Grécia e que a União Europeia decidiu não abrir um processo por incumprimento das regras da moeda única em 2017, mas não custava a Bruxelas ter esperado que Roma saísse primeiro da crise política em que os resultados inconclusivos das eleições de 4 de março deixaram o país antes de começar com as exigências.
Principalmente quando o Movimento 5 Estrelas (M5S, na sigla em italiano) e a Liga ainda nem sequer afinaram como deve ser o seu estranho casamento, nem escolheram os nomes para o governo. Ainda para mais quando o nome mais apontado para liderar o Ministério das Finanças é um economista de 81 anos que considera a adoção da moeda única pela Itália como “um erro histórico”. E Paolo Savona nem sequer o disse no passado, afirma-o num livro que será publicado ainda este mês.
“A Alemanha não mudou a visão do seu papel na Europa desde o fim do nazismo, mesmo tendo abandonado a ideia de se impor militarmente”, escreve Savona na sua autobiografia, antecipada pelo diário “La Stampa”, numa crítica à economia que mais tem beneficiado da moeda única. O ano passado, num ensaio, citado pelo “Financial Times”, o economista escreveu: “O futuro do euro ainda assenta no seu passado, ao não conseguir um consenso sobre o que fazer ou líderes capazes de preencher o vazio. O colapso continua a ser possível”.
O antigo banqueiro e ministro da Indústria (1993-94), que chefiou o departamento de Políticas Comunitárias num governo de Silvio Berlusconi (2005-06), é um crítico da forma como está construída a moeda única e defende um “plano b” que permita à Itália deixar a zona euro com o mínimo impacto possível na economia do país.
Se a formação de uma coligação governamental com dois partidos que não gostam da Europa já era, por si só, uma notícia capaz de causar comoção em Bruxelas, a escolha de Savona para as Finanças, a confirmar-se, é uma mensagem clara por parte do novo executivo de que o compromisso da Itália com a Europa é menos intenso ou mais desafiante.
“O passado de Savona como um crítico público da construção europeia torna-o o candidato menos amigável para os mercados”, disse o Mizuho Bank aos seus clientes, numa nota citada pela Reuters.
Savona é o favorito de Matteo Salvini, líder da Liga, defensor acérrimo da saída da Itália do euro. Luigi Di Maio, do M5S, defende posições mais moderadas em relação à Europa, mas é muito crítico em relação às regras orçamentais demasiado rígidas da moeda única.
Não é seguro que Savona venha mesmo a ser o escolhido pelo novo governo de Itália para a pasta das Finanças. Sergio Mattarella, o presidente, já sublinhou a necessidade de o país manter os seus compromissos com a UE e encará sempre com muita relutância a nomeação de Savona – e tem sempre uma palavra a dizer sobre os ministros. O presidente convocou Giuseppe Conte, o professor universitário desconhecido que o M5S e Liga escolheram para liderar o governo, para ir ao palácio para ser indigitado primeiro-ministro.
Salvini já respondeu às ressalvas que o nome de Savona despertou a partir do momento em que surgiu numa lista de possíveis ministros do novo governo. Numa mensagem de vídeo publicada no seu Facebook, referiu: “Parece que alguém na lista de ministros propostos pela Liga e pelo M5S não foi recebido pelo establishment, por exemplo, Paolo Savona. Ele é um economista respeitado em todo o mundo… o que é que ele fez de mal? Ousou dizer que a UE tal como está não funciona da maneira adequada”.
Em nenhum lado do acordo de governo entre os dois partidos está especificado que a Itália pretenda sair da zona euro, aliás, as duas formações reiteram o seu compromisso com a Europa. Até porque Mattarella tinha sempre a última palavra a dizer e essa poderia ser “vamos para novas eleições”, algo que a Liga procura evitar com receio de que o seu resultado nas urnas possa não ser tão animador como o foi desta vez em que, com 17,3%, conseguiu superar o seu parceiro de coligação, a Força Itália, de Berlusconi, que se quedou pelos 14%.