Ao invés de convocar eleições antecipadas, Mariano Rajoy deu ontem uma conferência de imprensa para atacar Pedro Sánchez, o líder do PSOE, que apresentou uma moção de censura para derrubar o Governo por causa da condenação do Partido Popular (PP) pelo esquema de corrupção do caso Gurtel (ver texto abaixo). «O seu objetivo é ser presidente a qualquer preço e seja com quem for», afirmou o líder do Governo espanhol, para quem Sánchez não se importa sequer com «a situação de debilidade, de dificuldade de Espanha», por causa da questão independentista catalã.
«A moção faz-se só por interesse do senhor Sánchez, que perdeu as eleições de 2015 e 2016 e deixou o seu partido com 84 assentos, o número mais baixo do PSOEdesde as primeiras eleições celebradas no nosso país», atacou Rajoy, cujo Executivo minoritário depende do acordo parlamentar estabelecido com o PSOE e com o Ciudadanos.
Sánchez assentou a justificação para a moção de censura ao Executivo nas sentenças de um dos piores casos de corrupção da história democrática de Espanha e que envolve diretamente o PP – o partido, como personalidade jurídica, foi condenado por beneficiar de um saco azul criado em 1989.
Rajoy disse que não há ninguém deste Governo condenado e que o esquema de corrupção foi antes de ele chegar a primeiro-ministro. Sánchez tem uma interpretação diferente, sublinhando a necessidade de fazer cair este Executivo com uma moção de censura «para tirar a Espanha deste lodaçal de corrupção em que o PP a meteu».
O Ciudadanos já se mostrou desfavorável à moção, considerando-a uma manobra oportunista dos socialistas. O partido de centro-direita conhece as sondagens, sabe da debilidade do PP e da sua força, a ponto de sonhar com uma vitória a nível nacional, tal como conseguiu na Catalunha, onde se tornou no primeiro partido não catalão a vencer um escrutínio. Mas não quer ter o ónus de derrubar o atual Executivo.
«Não faremos parte de geringonças acordadas em gabinetes e muito menos apoiadas por separatistas e populistas», afirmou o secretário-geral de Ciudadanos, José Manuel Villegas. Desafiando Sánchez a prescindir da moção e a ir com Albert Rivera ao Palácio da Moncloa convencer Rajoy a aceitar as eleições antecipadas. A Constituição espanhola impede a convocatória de eleições enquanto estiver agendada uma moção de censura.
Caso o líder do Governo «se entrincheirar na Moncloa, apesar dos seus casos de corrupção», a opção seria então negociar uma moção que force novas eleições, algo que Ciudadanos precisa sempre de negociar pois os seus atuais 32 deputados ficam aquém dos 35 necessários para apresentar uma moção de censura própria.
«O nosso plano A é que Rajoy convoque eleições», dizia Vilegas na conferência de imprensa. Mas Rajoy negou-se porque a demissão deste Governo «é má para Espanha», «prejudica a recuperação económica», «introduz muita incerteza» e é «lesiva para o futuro» do país. Obrigando o Ciudadanos, a ter de recorrer a um plano alternativo. Que pode até chegar a passar por apoiar a moção do PSOE a contragosto, ou, pelo menos, a abster-se.
Mesmo considerando oportunista a decisão de Pedro Sánchez, Albert Rivera sabe que nada pode continuar como dantes, principalmente para uma formação política como o Ciudadanos que surge exatamente para contrariar a forma de fazer política dos dois grandes partidos do arco do poder da Espanha democrática, o PP e o PSOE. Daí que tenha dito na quinta-feira que a sentença do caso Gürtel marca «um antes e um depois» nesta legislatura, algo que põe em causa todos os «planos de continuidade e estabilidade». Para Rivera, citado pelo espanhol Público, a condenação do PP em tribunal é uma «notícia sem precedentes na política espanhola», pois é «a primeira vez que temos um Governo condenado por corrupção».
PSOE quer formar Governo
Se a moção de censura do PSOE passar no Parlamento, com o apoio do Podemos e dos partidos independentistas, o líder socialista espanhol já fez saber que não pretende eleições antecipadas logo a seguir. Sánchez quer governar com essa maioria construída no Parlamento para derrubar Rajoy.
«A moção é construtiva», afirmou o socialista na conferência de imprensa, «para garantir a governabilidade, constituir e formar um governo do PSOE, com fundamentos sólidos e um plano claro». Falou em convocar eleições «o quanto antes», mas não se comprometeu com uma data. «Convocaremos eleições, sim, mas antes disso há que recuperar a normalidade política e assumir a tarefa de regeneração da democracia», disse.
Para conseguir passar esta moção de censura e derrubar o atual Executivo, o PSOE precisa de 176 deputados (exatamente a metade mais um do Congresso de 350 assentos). Atualmente, além dos seus 84, soma os 71 do Unidos Podemos, os oito dos catalães do PDeCAT, os dois dos bascos do Bildu e um da Nova Canárias. Tudo somado, são 166 deputados, menos dez do que o necessário. Do outro lado, juntando os 137 deputados do PP, com mais um da Coligação Canária, dá 138: 170 se lhe juntarmos os 32 de Ciudadanos. Os socialistas ficam assim nas mãos da esquerda catalã (ERC, com nove) e dos conservadores bascos (PNV), 14 deputados capazes de fazer pender a balança.