A família e a comunidade são espaços de solidariedade, de entreajuda e de disponibilidade para o próximo. A preocupação e a ajuda aos mais velhos, aos doentes e aos que sofrem constituem princípios fundadores da sociedade. As propostas sobre a eutanásia contrariam o princípio da solidariedade com os mais frágeis e constituem um ato de egoísmo, de indiferença e de desistência.
O debate que ocorreu sobre a eutanásia não suscitou a adesão das pessoas, não promoveu o esclarecimento sobre conceitos que se confundem com a eutanásia, não informou sobre práticas legais que podem responder a algumas das preocupações de quem defende a eutanásia, nem permitiu formar uma vontade clara da sociedade a favor desta questão. Ainda assim, o debate permitiu evidenciar a insuficiência de cuidados paliativos assegurados pelo Estado e que são parte da motivação de muitos para defenderem a eutanásia.
A discussão sobre a eutanásia permitiu reunir a opinião desfavorável da generalidade dos profissionais de saúde e em particular da comunidade médica, com a totalidade dos antigos bastonários da Ordem dos Médicos, bem como do atual Bastonário, a recusarem as propostas em causa.
Ficou ainda a saber-se que são escassos os países em que a eutanásia é permitida e da perigosa evolução das leis nesses países com exemplos de um alargamento sucessivo dos casos em que tal é permitido, ao ponto de se ter evoluído para situações de eutanásia a crianças, a dementes ou até a idosos simplesmente pelo facto de manifestarem vontade de colocarem fim à vida. Trata-se de uma rampa deslizante que rapidamente pode caminhar para a banalização.
A legalização da eutanásia não consta do programa eleitoral de nenhum partido e apenas o PAN referia a intenção de ‘abrir a discussão’. Nenhum partido assumiu a intenção de promover a legalização da eutanásia. Tratando-se de uma questão tão relevante, não é aceitável que agora pretendam efetuar tal alteração, ou que a viabilizem sem terem assumido eleitoralmente essa posição. Um programa eleitoral é um contrato de confiança com os eleitores e no caso da eutanásia, pela sua relevância, propor ou viabilizar sem que tal tivesse sido declarado coloca em causa a relação de confiança com os cidadãos.
Os deputados representam os eleitores, não se representam a si próprios. O sentido de voto de cada deputado deve ser balizado pelo respeito pelo programa eleitoral que sustentou a sua eleição e com a preocupação de corresponder à expectativa dos eleitores que representa. Assim se respeita o mandato obtido e se promove a confiança dos cidadãos nas instituições e na democracia.
No próximo dia 29 de maio o Parlamento vai decidir sobre a eutanásia no contexto de uma agenda ideológica de desconstrução do atual modelo de sociedade, sem ponderação suficiente, sem certeza sobre as consequências desta ‘abertura de porta’, sem consideração pela opinião médica e, sobretudo, sem ter assumido antecipadamente essa intenção. Ninguém, em consciência, pode assegurar qual o sentimento maioritário da sociedade portuguesa em relação à eutanásia e por isso, na dúvida, é prudente não correr o risco de cometer um erro ou uma precipitação. A não ser que o objetivo seja mesmo viabilizar uma agenda ideológica.