Se António Costa voltou a sublinhar que o Quadro Financeiro Plurianual (QFP) da União Europeia é «um mau princípio», Angela Merkel acredita que a negociação vai ser uma verdadeira «quadratura do círculo». A chanceler alemã esteve em Portugal na quarta e quinta-feira e o corte de 7% nos fundos comunitários não foi evitado.
«A aprovação do QFP para os próximos anos será tão complicada como a quadratura do círculo depois da saída de um país, de um contribuinte líquido, e, ao mesmo tempo, com o aumento de tarefas», disse Merkel depois da reunião com o primeiro-ministro português.
A expressão ‘concordar em discordar’, poderia ser bem aplicada aqui, uma vez que Costa tinha dito minutos antes que o Governo tem vindo a registar os «progressos relativamente ao mau ponto de partida com que as conversações se tinham iniciado» e que, por isso, julgam «que há margem para continuar a trabalhar para melhorar esta proposta».
Rui Rio quis «dar também uma ajuda» e tentou sensibilizar a chanceler alemã para a desvantagem em que Portugal se encontra neste novo QFP. «Portugal perde 7%, se compararmos com Espanha que sobe 5% e com Itália que sobe 7% a diferença entre nós e a Itália são 14% e a Itália é um país muito mais desenvolvido que Portugal», disse o líder do PSD à saída da reunião. Merkel «compreendeu a minha argumentação», disse Rio. «Também é verdade que não disse que ia ser uma defensora desta nossa pretensão nacional», acrescentou, reforçando, no entanto, que a chanceler ficou «naturalmente sensibilizada para esse aspeto».
Da conversa entre Marcelo Rebelo de Sousa e Angela Merkel nada se sabe, uma vez que o Presidente da República não fez declarações e chegou mesmo a recusar comentar a reunião.
As negociações estão na mesa do Conselho Europeu, onde António Costa vai sentar-se para apresentar os argumentos portugueses. Para ser aprovado o QFP precisa de reunir unanimidade. No entanto, os Estados-membros não irão aprovar o valor final sem conhecerem a parcela que cabe a cada um, e essa distribuição só precisa de maioria simples, quer no ConselhoEuropeu, quer no Parlamento Europeu.
Para Nuno Melo, do CDS, chegou o momento do primeiro-ministro mostrar que tem «voz grossa», como anunciou durante a campanha eleitoral. «O tratamento discriminatório de Portugal em relação a outros países nas mesmas circunstâncias – o que é agravado quando outros, em melhores condições, são beneficiados em relação a Portugal – significa que falta a tal voz grossa que António Costa disse que teria se fosse primeiro-ministro e, manifestamente, não tem», afirmou o eurodeputado do CDS. «O primeiro-ministro foi lesto a dirigir-se ao país a dizer da necessidade de novos impostos europeus, mas ainda não o ouvi a dirigir-se ao país a dizer que exige de Bruxelas um aumento da dotação nacional».
‘Absolutamente inaceitável’
Da parte do Bloco, Marisa Matias considera o quadro «muito negativo», enquanto Miguel Viegas, do PCP, vai mais longe ao dizer que é «absolutamente inaceitável». O deputado comunista acusa a União Europeia de «ingerência» por partir «das recomendações por países, que são realizadas no quadro do semestre europeu, para servir de roadmap para a elaboração dos programas de investimento». Para Viegas, isso condiciona «a aplicação dos fundos a recomendações da própria UE, que são naturalmente orientadas para a privatização dos serviços públicos», entre outras reformas que o partido não aceita. Ou seja, para além de reduzir o valor que será entregue a cada um dos países, Viegas denuncia que a UE quer também impor e controlar a sua utilização. «É mais uma machadada na autonomia dos Estados-membros para poder determinar o seu modelo de desenvolvimento e para onde é que devem ser dirigidos os investimentos de coesão», acrescenta.
Por seu lado, Marisa Matias considera que o QFP «é uma proposta de orçamento que foge a tudo o que é essencial». «Nós estamos longe de ter coesão social, territorial e económica», afirma a eurodeputada do BE, recordando que existem «divergências macroeconómicas muito acentuadas ainda» na UE.
Para além disso, o investimento na defesa é, para Matias, «contraditório com os próprios princípios que fundaram a união europeia que são de paz». «Obviamente isto é uma resposta a Donald Trump e à NATO, mas é a pior das respostas possíveis», critica, defendendo que o melhor caminho é o «caminho da desmilitarização».
O socialista Carlos Zorrinho, lembra que, «neste momento, está tudo em aberto». O objetivo é ter o QFP aprovado até ao final de 2018 ou janeiro de 2019, para evitar que o tema se arraste até às eleições europeias de maio. O eurodeputado considera que o QFP, tal como está, não é bom, não só por trazer menos dinheiro para Portugal, também porque prejudica a posição europeia no mercado global. «Há aqui uma incoerência entre o discurso e a prática», critica Zorrinho, «não se pode ter um discurso de que se quer reforçar a Europa na globalização e, ao mesmo tempo, fazer cortes nas políticas de proximidade e de coesão».
Para Zorrinho, a solução pode estar na exploração das interligações dos vários programas, quer comunitários quer de transferência financeira para os países. «O que é preciso é ter uma visão global e uma estratégia muito clara, e Portugal tem», remata o eurodeputado socialista.