O cenário mais temido por parte dos adeptos sportinguistas começou a tornar-se ontem realidade. Esta sexta-feira, o capitão do conjunto verde e branco, Rui Patrício, foi o primeiro entre os atletas do conjunto leonino a dizer basta. O guardião do emblema de Alvalade avançou mesmo para a decisão de rescindir o contrato unilateralmente alegando justa causa.
Na origem da tomada de decisão do guarda-redes esteve o facto de o presidente leonino Bruno de Carvalho ter dificultado a sua saída para o Wolverhampton, clube orientado pelo português Nuno Espírito Santo, que garantiu no fim da presente época a subida ao principal escalão de futebol inglês.
Patrício temeu pela vida
Na carta de rescisão de 34 páginas que fez chegar ao Sporting através do seu advogado, por fax e email, Rui Patrício revelou os vários motivos que o levaram à rescisão unilateral de contrato.
No documento, o guarda-redes da Seleção Nacional confessou que chegou a temer pela vida, abordou a pressão feita por BdC aos jogadores, «acusando-os de falta de profissionalismo», e ainda relembrou os momentos mais complicados que a equipa atravessou no final da época, que culminaram com os ataques bárbaros ocorridos na Academia dos leões, em Alcochete. «O representante máximo da SAD criticou-me publicamente, ofendeu-me, suspendeu-me, acusou-me, processou-me. Atiçou, diversas vezes, a ira dos adeptos contra mim e contra os meus colegas de equipa, bem sabendo que alguns dos adeptos, em particular nas claques, reagem de forma primária e irracional a quaisquer declarações proferidas pelo Presidente», declara na carta em que formalizou o pedido de rescisão, acrescentando também que «no ponto máximo da crise, em pleno local de trabalho e numa sessão de treino, vivi momentos de puro terror, sem que a Sporting SAD tenha revelado qualquer preocupação».
Mais: o guarda-redes que fez toda a sua formação no Sporting até chegar à equipa principal dos leões confirmou naquele documento que o técnico Jorge Jesus foi despedido por Bruno de Carvalho dias antes de ser disputada a final da Taça de Portugal. «Seis dias antes de o Sporting disputar a final da Taça de Portugal […] a melhor maneira de dar estabilidade ao grupo […] foi despedir a equipa técnica», pode ler-se na mesma nota enviada ao clube verde-e-branco.
Entre os vários episódios que relata ao longo das mais de 30 páginas, o guarda-redes regressa muito provavelmente ao ponto onde tudo começou: a reunião entre presidente e jogadores após o encontro com o Atlético de Madrid, altura em que BdC fez uso das redes sociais para criticar a performance de vários futebolistas leoninos, entre eles… o próprio Rui Patrício. «[O presidente apareceu] visivelmente exaltado com ‘ar de ditador’, alucinado e visivelmente tresloucado», descreve Patrício, lembrando que foi acusado, em conjunto com William Carvalho, de serem «os organizadores do protesto».
«Face a todos os factos supra relatados, que consubstanciam, por um lado, uma conduta continuada de violência psicológica, que colocam em causa a minha dignidade pessoal e profissional e que contribuíram para a degradação, por facto imputável ao empregador, das minhas condições de trabalho; e, por outro lado, perante os factos ocorridos na Academia de Alcochete, que colocaram em risco a minha integridade física (e mesmo a vida), nada tendo sido feito pelo empregador para o evitar, não tendo sido asseguradas as condições de segurança que se impunham face ao momento que se vivia à data, revela-se totalmente insustentável a subsistência da relação de trabalho», defende ainda Rui Patrício.
BdC confirma pedido de rescisão
Depois da campainha soar no universo leonino, após a ‘bomba’ lançada por Rui Patrício, o dirigente máximo da SAD verde-e-branca, Bruno de Carvalho, apresentou-se numa conferência de imprensa para confirmar a receção do pedido de rescisão bem como esclarecer toda a situação em torno da transferência do guardião para o clube inglês.
O líder leonino confirmou que o Sporting recebeu uma proposta de 18 milhões de euros dos ‘wolves’ por Rui Patrício e lançou duras críticas à Gestifute, empresa liderada por Jorge Mendes. «Há coisas que se tratam nos locais certos. Dos 18 milhões de euros o Jorge Mendes queria 7, nós dissemos que não. O braço direito do Jorge Mendes ligou-nos às 11 e tal da noite a perguntar se aquela era a posição do Sporting. O Jorge Mendes quis aproveitar a situação [ocorrida em Alcochete], que é um crime», assegurou. BdC aproveitou ainda a conferência para lembrar que o Sporting «não pode estar sob medo, chantagem ou ameaças» e garantiu que Rui Patrício está a ser «manipulado».
Entretanto, já durante a tarde, a SAD do Sporting informou a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) da rescisão unilateral de contrato de Rui Patrício.
Seguir as pisadas do capitão
Ao final da tarde, o extremo Daniel Podence foi o segundo jogador leonino a entregar a carta com o pedido de rescisão. Bruno de Carvalho tem tentado a todo o custo, nas últimas semanas, impedir a possível debandada do plantel, mas a verdade é que a posição assumida por Rui Patrício pode atrasar, e até dificultar, a tentativa de um regresso à normalidade em Alvalade. Sendo o capitão um dos jogadores mais respeitados no balneário leonino, o fim da linha pode agora ser uma hipótese cada vez mais certa para vários jogadores.
Bruno Fernandes, William Carvalho, Gelson Martins e Bas Dost são os maiores ativos em risco do plantel dos leões. Como o i noticiou na edição de 23 maio, por essa altura já vários atletas e elementos da equipa técnica tinham quase concluídas as diligências necessárias para apresentar o pedido de rescisão com justa causa com o clube leonino. Para parte dos jogadores a decisão era, de resto, irreversível, sendo que havia quem ponderasse permanecer caso a direção de Bruno de Carvalho fosse entretanto destituída.