A viagem rumo ao Porto e o tempo de espera à entrada não permitiram assistir ao entardecer ao som dos Rhye, na visita anual a Portugal agora já com o segundo álbum "Blood" a correr nas veias, ao despudor de Father John Misty e à (nada) intrusa pop Lorde num festival de tendência canhota. Por isso, foi Tyler The Creator a inaugurar o roteiro pessoal NOS Primavera Sound. Ele que, após uma estreia adiada no Super Bock Super Rock, veio pela primeira vez a Portugal.
Longa se torna a espera na névoa que cobre…o parque. A primavera cingiu-se ao nome mas a tradição de Paredes de Coura não desceu ao Porto. E durante a noite, o Primavera Sound portuense esteve imune à chuva. Agradeceram muitos dos que esperaram pelo criador colados à grade e que causaram um verdadeiro tumulto com gestos até há bem pouco tempo convencionais dos concertos de rock como mosh e headbangin'. Na conferência de imprensa de um outro festival com rock no nome e hip-hop a dominar o cartaz, alguém perguntava se o caminho era aquele. Em 2018, ainda há quem conteste os muros de Trump no mural quando, verdadeiramente, a guerra começa em casa mas este é o tempo de quebrar barreiras e não de impor fronteiras. E se a ebulição de Tyler, The Creator vem ancorada em missivas de rua, as bases musicais tanto herdam da exigência de Kanye West, como da audácia do atelier de arquitectura moderna Neptunes/Pharrell, a relação com o funk moderno, via companheiros de bancada The Internet – palpável no recente "Flower Boy" – é um contraponto à explosão hormonal em que ainda vive.
O concerto é centrado nele e só nele. Quase anónimos, os DJs disparam os instrumentais. Os cenários vídeo são reconstruídos a cada canção. De colete refletor, Tyler vai debitando rimas sobre vozes que vão chegando dos discos. Há uma doce ironia quando em "Where This Flower Booms" exclama "I rock, I roll, I bloom, I grow", juntando no mesmo saco o que o que resta do preconceito ainda separa. Há uma linha a atravessar este festival e não é a do medo. Unidos pela diferença, os géneros deixam de fazer sentido e passam a ser meros apelidos perdidos na tradução. Tyler, The Creator teve uma multidão à sua espera e respondeu afirmativamente à chamada no primeiro concerto de uma trilogia que passa por A$ap Rocky e Vince Staples mas este é um festival de mente aberta como nunca se (ou)viu em Portugal.
Por isso, a encosta do Parque da Cidade esteve repleta para ver do que o homem da casa das máquinas dos xx era capaz sozinho. Após inúmeras visitas a Portugal, Jamie xx voltava em nome próprio com honras de horário nobre num grande festival pela primeira vez. E apresentou-se num formato minimalista de DJ, aquém das possibilidades para um palco tão grande, apenas com mesa de mistura, gira-discos e um jogo de luzes que foi perdendo a vergonha à medida que a odisseia musical evoluía da raiz funk/disco para as reminiscências das raves londrinas ilegais.
E agora para algo familiar, a eficaz remistura caseira de "On Hold" dos xx conteve a ameaça de dispersão. E a versão adulterada de "Psycho Killer" dos Talking Heads – versão "Stop Making Sense" – foi o final feliz para um live act seguro mas a pedir outras ambições.