Donald Trump e Kim Jong-un aterraram este domingo em Singapura e concentraram a atenção mundial numa das mais imprevisíveis, arriscadas e importantes cimeiras diplomáticas desde o fim da Guerra Fria. Acrescentando uma nova migalha de estranheza a um encontro já de si improvável, é o ditador norte-coreano que chega a Singapura com uma figura reabilitada e com a máxima concentração de capital diplomático desde que ascendeu ao poder.
O presidente americano, por sua vez, aterra ainda sofrendo sequelas do fiasco da cimeira dos G7 deste fim de semana (ver páginas 18 a 21), mas convencido, para alarme da comunidade internacional e muitos governantes nos Estados Unidos, de que será capaz de medir as intenções de Kim Jong-un de imediato e à primeira vista. “É simplesmente o meu toque, a minha sensibilidade”, garantiu no sábado, tentando temperar as expectativas para a cimeira de terça-feira: se antes garantia que Pyongyang irá aceitar, prontamente e incondicionalmente, o fim das suas armas nucleares, Trump afirma agora que este encontro pode ser apenas o primeiro de muitos.
Kim Jong-un chegou primeiro a Singapura. O jovem ditador norte-coreano nunca esteve tão longe do seu país desde que em jovem terminou os seus estudos preparatórios na Suíça, onde estudou com um falso passaporte brasileiro. Aterrou num avião fretado à transportadora aérea chinesa, Air China, e fez a sua irmã e altos cargos do governo viajarem numa segunda aeronave coreana, de fabrico soviétifco. O seu pai, Kim Jong-il, muito averso a viagens demoradas e longas, temia que uma ausência prolongada pudesse provocar um golpe de Estado oportunista. Há motivos para crer que o jovem Kim não está completamente a salvo do mesmo, principalmente porque nas últimas semanas afastou alguns militares norte-coreanos de topo, aparentemente preparando caminho para um entendimento com os Estados Unidos e mundo.
Trump aterrou ao começo da noite local – meio da tarde portuguesa deste domingo. O presidente americano continua sem saber o que é que pretende verdadeiramente Kim Jong-un quando alude ao cenário da desnuclearização. O regime que o jovem Kim manobra desde 2011 pagou com a fome extrema e o isolamento internacional as armas nucleares com que pretende evitar o mesmo desfecho de Saddam Hussein e Muammar Khadafi.
Kim, em vários aspetos, vence simplesmente com o facto de a cimeira avançar.
O seu regime procura há décadas o reconhecimento internacional que lhe oferece um encontro oficial com o presidente americano em funções. E Kim, que procura aliviar as sanções económicas contra o seu país, conseguiu nestas últimas semanas melhorar por várias ordens de grandeza a relação com os mesmos países que decidem que bens e sanções aplicar ao regime. “O mundo inteiro está a assistir à cimeira histórica”, afirmou Kim ao primeiro-ministro de Singapura, à chegada, através de um intérprete.
Trump, por sua vez, vem afirmando que será a sua intuição, e não as análises de especialistas e diplomatas, que permitirá triunfar no encontro com Kim. “Quanto tempo demorarei a saber se eles [o governo norte-coreano] têm intenções sérias? Conhecem aquela frase que diz que sabemos se vamos gostar ou não de uma pessoa nos primeiros cinco segundos? Já ouviram essa? Acho que muito rapidamente vou saber se há ou não a chance de retirarmos alguma coisa de bem”, lançou o presidente americano aos jornalistas, no sábado “Creio que ainda no primeiro minuto saberei”, garantiu o magnata que escreveu o best-seller “A Arte do Negócio”.