Nas últimas quatro décadas tem-se discutido muitas vezes (e em vários fóruns) a problemática associada à interioridade e ao futuro de Portugal e dos portugueses. Durante muitos anos, foi essencialmente uma matéria do foro político – presente de forma intermitente nos discursos, nos programas partidários e em vários programas de Governo.
Mas os dois principais partidos políticos, PSD e PS, acabaram quase sempre por pôr a interioridade ‘na gaveta’ quando tiveram responsabilidades governativas.
No espaço público, durante as últimas décadas do século XX, discutiu-se e debateu-se tudo e mais alguma coisa – mas, infelizmente, só confundindo muitas vezes a opinião pública. Confundiu-se regionalização política (com base no modelo dos Açores e da Madeira) com regionalização administrativa (que é o que o texto constitucional prevê única e exclusivamente para o território continental), com descentralização, com desconcentração…
O referendo à regionalização, efetuado em Novembro de 1998, já se realizou com um debate mais rico e pluralista. Com protagonistas e participantes em vários movimentos cívicos (do ‘sim’ e do ‘não’) oriundos não só da política mas da economia, da cultura, da academia, etc., de norte a sul de Portugal.
E, apesar da derrota da regionalização, nada ficou igual. As universidades e muitos dos seus centros de investigação dedicaram nos últimos anos parte do seu trabalho, dos seus saberes e do seu empenho a muitas das matérias referentes aos territórios de baixa densidade e à problemática da interioridade.
Esse interesse do meio universitário e académico surgiu muito como consequência da cada vez maior clivagem entre o litoral e o interior do nosso país – o interior norte, o interior centro e o interior sul. Com consequências negativas acumuladas e com muitos efeitos nefastos também para o litoral.
As vozes que, durante muito tempo, clamaram no deserto contra o abandono do interior e o esgotamento de um modelo assente numa litoralização sufocante, começaram a ser ouvidas nos últimos anos. Porque as evidências já não eram só evidências: eram certezas de estarmos a viver num país a várias velocidades e com desigualdades económicas e sociais cada vez mais revoltantes e gritantes.
De um lado, o ‘país do litoral’, das grandes metrópoles e das cidades médias – com áreas suburbanas carregadas de bloqueamentos e estrangulamentos inimagináveis; doutro lado, o país ao abandono, desertificado, sem pessoas, envelhecido, sem qualidade nos serviços públicos, de onde o Estado (com argumentos quase sempre e só de números) saiu, deixando-o sem capacidade de resposta para catástrofes diversas.
O ano de 2017 foi aquele em que, infelizmente, se percebeu ainda melhor essa clivagem. Entre o Portugal envelhecido, quase abandonado, sem esperança, quase resignado, e o país das cidades e do litoral há diferenças abissais expressas em variadíssimos indicadores económicos e sociais.
Neste quadro desolador, em boa hora um grupo de portugueses, de várias áreas do saber, com experiências profissionais díspares, com vidas cheias de serviço público, decidiram criar um movimento cívico denominado Movimento pelo Interior.
Em pouco mais de seis meses fizeram um trabalho meritório, apresentando propostas concretas para alterar este estado de coisas.
Produziram um relatório final com informação complementar, que pode ser consultado em www.movimentopelointerior.org, e que deveria ser de leitura obrigatória.
Fizeram sugestões muito claras – no domínio fiscal, na área da educação, do ensino superior e da ciência, da ocupação do território pelo Estado, e ainda a criação de um programa operacional para o interior (POPI). Que nada disto fique no papel é o que desejamos.
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