Um prédio, vários proprietários em guerra com os construtores, um processo em tribunal e uma advogada acusada de falsificar documentos e enganar os seus clientes, ou seja, os donos das casas – os mesmos que já se diziam enganados por quem construiu os imóveis.
O Ministério Público de Águeda acusou a advogada Idalina Ribeiro de ter falsificado documentos para fazer um acordo em tribunal, sem que os seus constituintes tivessem tido conhecimento. Os investigadores decidiram, no entanto, arquivar o crime de prevaricação de advogado, justificando com a prescrição. O caso vai chegar na próxima semana a debate instrutório, ficando a saber-se se a advogada, que reclama desde o início inocência, vai ou não a julgamento.
Idalina Ribeiro foi contratada por um conjunto de moradores de um prédio em Sangalhos, Anadia, para defender os seus interesses num processo contra as empresas Kazza – Empreendimentos Imobiliários, Lda e Encobarra – Engenharia Construções, Lda. Os vários problemas na construção e as divergências com os construtores levou o caso para a Justiça em 2005, arrastando-se até 2011, altura em que foi assinado um acordo entre as partes. Só que uma das partes não sabia. As assinaturas dos donos das casas foram falsificadas.
Segundo a acusação, Idalina Ribeiro “defendia a pretensão dos autores de verem as rés condenadas a proceder ou a mandar proceder a obras para a eliminação de defeitos detetados nas várias frações autónomas ou, não podendo efetuar as obras necessárias para a eliminação dos defeitos, a pagar aos autores a quantia que estes tivessem de despender […] bem como uma indemnização pelas danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência dos defeitos”.
Foi aliás por tudo isto que foram dados à advogada poderes gerais de representação. Em novembro de 2011, em audiência de julgamento, os advogados das empresas e Idalina Ribeiro chegaram ao tal consenso – “assumindo a ré Encobarra – Engenharia & Construções, Lda o compromisso de pagar aos autores a quantia de 15 mil euros até 31 de março de 2012, considerando-se estes integralmente ressarcidos relativamente aos defeitos”.
Como não podia decidir sem a assinatura dos clientes, porque só tinha uma procuração com poderes gerais, Idalina Ribeiro ficou de entregar à posteriori um documento em que os proprietários assinassem as condições de tal acordo. Só que os 15 mil euros eram insuficientes para regularizar tudo o que estava mal, na opinião dos proprietários e é o que acontece daqui para a frente que levou o MP a acusar a advogada.
“Ciente de que o referido acordo apenas determinaria o fim definitivo da ação caso os autores o aceitassem mediante junção aos autos de documento comprovativo dessa manifestação, a arguida decidiu nada dizer aos autores, ora defendidos, e diligenciar, de moto próprio, pela elaboração e junção ao processo de um documento que tivesse a aparência de uma aceitação da transação pelos autores”, explica a acusação.
E foi esse documento que terá sido fabricado, segundo o MP: “[No documento do acordo] apôs, com recurso a programa informático de digitalização – cópia e imagem – ou por decalques a partir das assinaturas e rubricas […] apostas nas procurações forenses que haviam sido outorgadas para a propositura da ação e que se mantinham na posse da arguida”. Duas assinaturas terão mesmo sido feitas por imitação.
Após algumas alterações ao documento, o mesmo acabaria por ser colocado na plataforma informática da Justiça, o Citius, a 9 de fevereiro de 2012. Quatro dias depois a juíza titular considerou que o acordo estava ratificado e os autos foram para arquivo.
“Quando assim procedeu, a arguida sabia que agia contrariamente à vontade dos [clientes], já que nenhum a havia autorizado a utilizar as procurações forenses e as suas assinaturas para tal finalidade, sendo os mesmos totalmente desconhecedores dos termos do acordo realizado”.
O alegado esquema foi descoberto quando um dos proprietários decidiu consultar o processo e percebeu que não tinha assinado tal documento.
Contactada, a defesa de Idalina Ribeiro esclareceu que reclama desde o início pela inocência, referindo que “essa inocência é, neste caso, objetivamente verdadeira”.
“A Dra. Idalina Ribeira exerce advocacia há décadas e que nunca lhe foi dirigida qualquer espécie de sanção disciplinar pela Ordem dos Advogados, nem sequer neste momento”, esclarece ainda o advogado João Medeiros, que representa a arguida, adiantando: “A dra. Idalina Ribeiro não está suspensa da ordem e não foi em nenhuma instância condenada”.
Questionada sobre este caso, bem como qual o ponto de situação do processo interno, a Ordem dos Advogados não prestou qualquer esclarecimento até à hora de fecho desta edição.