«Nada é teu. É para usar. É para partilhar. Se não o partilhares não o podes usar».
Úrsula K. Le Guin
Amanhã, 17 de julho, faz um ano que os portugueses foram surpreendidos com uma das maiores catástrofes de sempre. Com fogos de dimensões antes consideradas impossíveis de acontecer. Fogos que mataram famílias inteiras e destruíram bens e infraestruturas diversas, e colocaram em causa o Estado – que não cumpriu uma das suas obrigações mais importantes: a segurança das pessoas e dos seus bens, tantas foram as falhas.
Ao final da tarde e início da noite, todos os portugueses – com um misto de surpresa e indignação – ficaram a saber o que estava a acontecer.
Com imagens e relatos de horror e de terror, de dor e de sofrimento, de angústia e de desespero, de impotência e de revolta. E os dias seguintes puseram ainda mais a nu tudo isto. Que a mãe natureza por vezes é cruel – mas que nós, os humanos, falhamos. Não só individualmente mas sobretudo coletivamente.
Tudo isto aconteceu no norte do distrito de Leiria. No território das terras do Pinhal Interior. E teve o seu epicentro no concelho de Pedrógão Grande – mas alastrou sobretudo aos concelhos de Castanheira de Pera e de Figueiró dos Vinhos.
Ora, um ano depois, qual o estado das coisas? Que medidas foram tomadas para ajudar as pessoas, as famílias, as empresas, as instituições públicas e não públicas? O que se antecipou para que catástrofes como esta não voltem a acontecer?
Desde logo, há que reconhecer que o país político e o país mediático descobriram ambos Pedrógão Grande e seus concelhos limítrofes. Viagens oficiais, visitas oficiais, anúncios oficiais, tudo isso e muito mais tem servido para que se chore e façam grandes proclamações sobre a catástrofe de há um ano.
Curioso é constatar que alguns dos que participaram e protagonizaram tudo isso são também os que contribuíram, através de silêncios ou decisões, para que o Estado abandonasse aqueles territórios, fechando ou enfraquecendo serviços públicos, diminuindo o investimento público, contribuindo decisivamente para a perda de atratividade económica e social – conduzindo ao êxodo da população e aumentando a desertificação e o abandono.
As autarquias locais (quer os municípios quer as freguesias) e a sociedade civil que ainda resiste têm dado nota positiva a algumas decisões tomadas no último ano. Mas também vão chamando a atenção para a necessidade da tomada de outro tipo de decisões. De caráter não só conjuntural mas estrutural.
A começar pela necessidade de melhor planeamento florestal e de aperfeiçoar o processo dos licenciamentos por parte das entidades públicas. Como exemplo maior, é urgente que se verifique uma maior concertação entre o Ministério do Ambiente e o Ministério da Agricultura, em particular sobre matérias conjunturais, para territórios de baixa densidade (como é o caso), no que diz respeito a licenciamentos e outras matérias conexas.
Outro aspeto que se impõe como prioritário tem que ver com o cadastro do território.
Um país que não conheça bem o seu território, e que não faça um diagnóstico rigoroso sobre a ocupação do espaço, a habitação, as características das infraestruturas existentes, não terá as melhores condições para fazer face a catástrofes como a de 17 de junho de 2018.
Existe ainda muito para decidir e concretizar. Para além de concluir a recuperação das primeiras habitações e de criar condições para reativar a economia local, com o apoio à recuperação e instalação de empresas e à criação de emprego. É urgente utilizar o Portugal 2020 para promover a recuperação e o desenvolvimento económico e social destes temas e deste povo do interior de Portugal.
Todos temos de tirar conclusões práticas do que aconteceu há um ano atrás.
O Estado tem de regressar ao território com mais serviços, apoios e investimento. E menos visitas e cerimónias pomposas, com algumas pessoas a usarem indevidamente o sofrimento das vítimas para seu sustento político partidário. O Estado – e, em particular, alguns dos seus serviços descentralizados e alguns dos seus poderes desconcentrados – tem de alterar a sua relação e as suas prioridades com este território.
Por exemplo: com a passagem de uma empresa privada para a Infraestruturas de Portugal, o Estado não pode fazer pior do que os privados no que respeita à limpeza da floresta junto às principais vias de comunicação. Antes pelo contrário.
A par de tudo isto, aprendendo com esses erros do passado – e tendo presentes casos concretos -, é pertinente que se faça a revisão jurídica das fórmulas de cálculo para os subsídios de invalidez resultantes destas catástrofes, por forma a não continuarem a atribuir-se verbas ridículas.
O mesmo acontece com os seguros respeitantes a bombeiros e demais cidadãos que combatem este tipo de tragédias (para a perda de bens e para ocorrências pessoais ligeiras e graves). Se existe algo que devemos reter dos acontecimentos de há um ano, é que a natureza não é estática e previsível.
Os acontecimentos neste território, de entre outras conclusões, dão-nos sinais claros de que o nosso clima e a conjugação de vários fatores ambientais nos tornam particularmente vulneráveis à ocorrência de novas catástrofes.
Cabe-nos a todos, sem exceção, tudo fazermos para que tal não volte a acontecer. É também de elementar justiça destacar que, apesar de os municípios mais atingidos terem sido Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera, tivemos outros onde também ocorreram fogos com impacto negativo. Refiro-me aos concelhos de Alvaiázere e de Ansião. Aliás, este último foi decisivo no combate a esta catástrofe – com o apoio do município, na altura liderado por Rui Rocha. E foi a partir de Avelar que o país conheceu em direto, a par e passo, o que se ia não só passando mas sobretudo fazendo.
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