Lembrei-me deste poema de Wislawa Szymborska porque, no livro que está a escrever sobre os homens da vida dela, a Vanessa quer dedicar um capítulo especial àqueles três ou quatro namorados por quem teve, anos depois de acabarem tudo, uma «recaída».
O primeiro com quem aconteceu uma recaída foi o Paulo. Três anos depois de ter sido passado um extintor sobre a relação, a Vanessa e o Paulo encontraram-se na passagem de ano. Estavam os dois solteiros e, pior do que isso, irremediavelmente bêbados. A Vanessa tinha começado a dar no vinho antes da oito da noite do ano anterior e quando chegou às duas da manhã do ano seguinte já se sentia apaixonada por praticamente toda a gente que estava na festa. Infelizmente para os dois, o Paulo estava não só sentado mesmo ao lado dela como ia no 10.º gin tónico sem paneleirices, como diz o Ricardo Araújo Pereira e eu subscrevo. Ainda estávamos no tempo dos gins simplificados, aqueles só com tónica, gelo e limão.
A famosa «culpa» das relações, seja de que tipo forem, não sei bem a quem pode ser assacada no caso da Vanessa e do Paulo terem decidido voltar a andar, mas certamente o excesso de álcool de parte a parte é um fator a ter em conta.
A Vanessa lembra-se vagamente de ter dado a mão ao Paulo. E depois de, mãos dadas, terem chegado a casa dela. Depois, enfim, depois foi trágico, mas ainda durou dois meses antes de se tornar irremediavelmente trágico. Há coisas divertidas numa recaída: a súbita familiaridade com coisas que julgávamos ter apagado da memória e, quando de repente regressam sem aviso, parece que nunca nos tínhamos desfeito delas. A tralha emocional tende a persistir algures no nosso corpo, dadas as vulnerabilidades da cabeça e do coração.
Por exemplo, durante o tempo em que durou a sua recaída com o Paulo, a Vanessa voltou a sair com os amigos e amigas do Paulo que, depois de eles terem acabado, desapareceram da vida dela como é de costume e bom tom. E houve momentos em que a Vanessa se sentiu confortavelmente em casa na casa da Marilu, como se não tivesse havido nenhuma interrupção. Oh, a delícia de falar com alguém que desapareceu das nossas vidas há anos como se tivéssemos falado na véspera. A recaída com o Paulo não só lhe tinha permitido reviver uma data de vezes isto com vários amigos dele como – facto nada despiciendo – voltar a comer os fabulosos jantares de domingo em casa da ex e atual «sogra». Afinal, o primeiro namoro da Vanessa e do Paulo tinha sido longo o suficiente para ela quase se ter sentido parte da família. Agora, refazia o papel, assim a modos que nora pródiga.
Os primeiros tempos tiveram o seu que de excitação em público – sobre o que se passou em privado nem eu nem mais ninguém somos para lá chamados. E o que é que aconteceu depois? Uma repetição. Um bis. Uma sequela. Um segundo ato. Um reprise. Chamem-lhe o que quiserem mas houve uma manhã em que subitamente um dos dois não se sentiu nada bem, inspirado naquela formula «Cristo morreu, Marx também e eu próprio não me sinto lá muito bem».
Começaram a discutir e deus sabe o mecanismo obsessivo-compulsivo que domina as discussões entre grupos de duas pessoas que partilham a mesma cama.
Estava a acontecer o que já tinha acontecido, só que em pior. Nada duas vezes acontece da mesma maneira e sem rotina vamos vivendo.
A Vanessa meteu num saco a escova de dentes e meia dúzia de roupas. À hora do almoço estava já sentada comigo a tentar perceber como tinha feito «aquilo»: voltar para o Paulo. Eu tive aquela sensação estranha de déjà vu porque quando ela acabou pela primeira vez com o Paulo também veio almoçar comigo para tentar perceber como é que tinha feito «aquilo»: andar com o Paulo.
E sem rotina vamos vivendo, diz a polaca.