Aconsciência moral americana, não a lei, impediu até este ano a política de separação e encarceramento forçado de milhares de crianças imigrantes que tentam todos os anos a atravessar a fronteira mexicana com os EUA na companhia dos pais ou familiares. A prática, que esta semana explodiu em imagens e gravações violentas de crianças enjauladas em antigas superfícies comerciais, foi considerada por todos os presidentes americanos desde 1997 como forma de travar as mais severas vagas de imigração sul-americana. Clinton, W. Bush e Obama consideraram-na e todos, com rapidez, a recusaram.
O novo Presidente norte-americano, não. Donald Trump autorizou a prisão de crianças e bebés longe dos pais para mais rapidamente conseguir deportá-los a ambos. Resistiu ao longo da semana aos protestos nas ruas, reportagens violentas e ultimatos da oposição. Tentou responsabilizar os democratas – sem sucesso – e dizer, em simultâneo, que o país tem de travar a imigração excessiva. Na quarta, quando a pressão era insuportável, Trump alterou ligeiramente os planos. Deu um passo para o lado, não para trás. Quer agora manter as famílias unidas, mas, para o fazer, quer que os tribunais permitam a detenção indefinida de crianças na companhia dos pais. Trump quer terminar o prazo limite de 20 dias no qual um menor pode permanecer detido por crime de imigração. A Casa Branca quer mais prisões pelo delito de cruzar uma fronteira, não menos. Ninguém sabe ao certo se os tribunais aceitarão.
Num mês apenas, as autoridades aprisionaram 2400 crianças, algumas achadas a sós, mas muitas mais retiradas a pais e mães na fronteira. Enviaram-nas para várias instalações privadas espalhadas pelo país, sem informar os próprios estados do que se passava no seu território. São menores de 12 anos. Muitos são bebés, ou pouco mais. A maior parte não fala inglês e de algumas crianças perdeu-se já a informação de quem as acompanhava, segundo o New York Times. Mesmo que o Presidente americano tivesse determinado na sua ordem de quarta que estas crianças devem ser enviadas imediatamente para junto das famílias – não o fez -, há escassas chances disso. As reuniões podem demorar semanas, ou meses.
Ontem, ainda no rescaldo das novas ordens, os polícias na fronteira não sabiam ao certo o que fazer em relação às chegadas – o comando parece ser agora a de deter as famílias por inteiro. A Casa Branca anunciou de manhã que transferirá as crianças para bases militares americanas, onde há espaço para umas 20 mil pessoas. Até ao final do dia, porém, ainda não era líquido que o plano avançasse, de que forma avançará e, mais relevantemente, se haverá tentativas de reunir as famílias separadas no último mês.
A detenção das crianças é produto da sensibilidade de Trump e a consequência natural do seu primeiro e infame discurso na Torre Trump – no qual disse que os mexicanos são «violadores» e «traficantes de droga». Ficou acertada há um mês numa decisão «bastante fácil», segundo o conselheiro Stephen Miller. O Governo justificou-a afirmando que muitos pais cruzam a fronteira com os filhos para garantirem que são libertados ao fim de 20 dias e que, apresentando um pedido de asilo demorado, com rapidez ficam em liberdade nos Estados Unidos. A estratégia é real. Obama, W. Bush e Clinton enfrentaram-na, embora em vagas muito superiores do que aquelas que Trump diz estarem em marcha. No entanto, nunca aceitaram a ideia de segregar as crianças de maneira a impedirem os pais de se proteger com os 20 dias.
Se o atual Governo americano apresenta dilemas morais invulgares a cada esquina, o desta semana pareceu assumir contornos especialmente claros. No entanto, na América de Trump tudo está em cima da mesa, por muito que fotografias de crianças enjauladas e gravações suas, chorando e chamando os seus pais, tivessem mobilizado uma grande parte do eleitorado, instituições religiosas e do próprio Partido Republicano contra o seu Presidente. As sondagens desta semana indicam que dois terços dos americanos estão contra a prática de separação de crianças, mas essas mesmas consultas afirmam que uma ligeira maioria dos republicanos está de acordo com a prática. Segundo os estrategas de ambos os partidos, não há debate sobre imigração que não beneficie Trump, por muito grotesca que a situação pareça. Afinal de contas, há muito que se dissipou a ideia de que o magnata nova-iorquino venceu por causa das ansiedades económicas da classe operária. Para lá da filiação partidária, não há melhor indicador de um eleitor Trump que a ideia de «deslocação» cultural ou étnica no seu próprio país.
Trump sabe-o e ontem sabotava as negociações de última hora entre congressistas republicanos e democratas na busca de uma reforma à lei da imigração. No Partido Democrata recorda-se por estes dias a estratégia dos «três terrores» e procura-se não insistir demasiado no tema para não repetir os erros de Clinton em 2016. Diante um problema moral com contornos nítidos, os próprios democratas não sabem o que fazer. Trump, afirmam, escolhe três receios coletivos e exagera-os a todo o custo na campanha. O tema da imigração estará entre elas para as eleições intercalares de novembro e no Partido Democrata assiste-se com terror ao regresso do debate público para este ponto. Por um lado, a crise é urgente. Por outro, favorece o próprio rival que a criou. Supostamente sob fogo, leia-se a corrente de pensamento que Trump publicava ontem no Twitter: «Temos de ter fronteiras fortes ou deixaremos de ter um país do qual nos possamos orgulhar – e, se mostrarmos fraqueza, milhões de pessoas vão entrar!»