Enquanto parte da classe política europeia trocava fortes galhardetes acerca de quem acolhia ou não acolhia as centenas de refugiados asilados e imigrantes do barco Aquarius, a Sorbonne Université Paris III, no passado dia 14 de Junho, discutia em colóquio ‘O populismo, refugiados e imigração’, com vários painéis e convidados de França e de Portugal, oriundos da academia, do sindicalismo e da política.
‘Une vision humaine de la migration, constructeur de politiques’ foi o painel para onde tive a oportunidade de enviar uma comunicação, em que partilhei a experiência e os resultados do caso português nestas matérias. E o que tem sido a política pública portuguesa de imigração desde o final da década de noventa do século passado.
A criação de uma política pública de imigração, assente em princípios e vetores-chave de caráter político e sobretudo legislativo, administrativo e do foro interdisciplinar, tem obtido resultados claramente positivos, quer para os cidadãos estrangeiros quer sobretudo para Portugal e para os portugueses.
E em tempos mediaticamente controversos, é bom ter presente que Portugal é dos países da Europa e do mundo que melhor conhecem – e de há muito – o fenómeno das migrações. E que mais de um terço dos portugueses (cinco milhões, concretamente) vive fora do país, nos quase duzentos países que o mundo tem.
Países que durante muitas décadas do século passado tiveram os governos de Portugal a pedir-lhes para receberem, acolherem e integrarem os portugueses que procuravam os seus territórios. E não foi fácil. Aliás, ainda hoje, em algumas geografias continentais, não é fácil. Com dificuldades de entrada nuns casos, com deportações noutros, com hostilidade e falta de condições de acolhimento e de integração noutros ainda.
Não faltam estudos e trabalhos, muitos de caráter científico, em áreas do saber tão diferentes como a sociologia, a história, a ciência política e o direito, que nos permitem conhecer, comparar, compreender e tirar conclusões para o futuro do quanto foi (e ainda é) difícil a vida da chamada diáspora portuguesa.
Fomos um povo que se cruzou durante toda a sua História com várias civilizações, vários povos, várias religiões, várias culturas, várias línguas, vários saberes.
E de tudo isso enriquecemos – na vivência, na nossa abertura, no nosso cosmopolitismo, no nosso código genético, na nossa força enquanto povo, enquanto língua e cultura.
O nosso olhar perante o fenómeno da imigração não podia, não pode nem poderá ser distante desse nosso património. E é isso que temos feito desde o final do século XX, na criação e solidificação de uma verdadeira política pública de imigração, baseada essencialmente no rigor das entradas e no humanismo do acolhimento e integração.
Política pública essa que tem sido validada por instituições internacionais imparciais, que têm distinguido Portugal como um dos países com melhores práticas e políticas de imigração na Europa e no mundo. Porque a imigração não é um problema – é uma oportunidade para todos, sem exceção. Para os países emissores e recetores, e para os cidadãos estrangeiros – na condição jurídica de imigrantes, de refugiados ou de asilados.
Portugal tem ganho com a imigração a vários níveis. É politicamente incorreto dizer isto, mas reafirmo-o – e faço-o coerentemente e em nome dos tão proclamados superiores interesses de Portugal e dos portugueses.
No impacto das contas públicas, na demografia, na segurança social, na economia, na cultura e em muitas áreas da nossa vida coletiva e não coletiva, Portugal tem beneficiado com os imigrantes.
No que concerne à imigração, o edifício jurídico português é muito equilibrado. Os vários instrumentos e mecanismos legais em vigor são os necessários para continuarmos a ter condições para que a imigração em Portugal não seja o problema em que infelizmente se transformou em outros países da Europa. Talvez nos façam falta mecanismos maiores e melhores de combate ao populismo e ao racismo.
O caso português é diferente dos casos de outros países. Mas nesse domínio Portugal não deve nem pode vacilar. Não pode ceder à tentação de imitar o que de pior se vem fazendo noutros Estados.
A Europa não pode ceder por dentro à tentação de pôr em causa o essencial do direito internacional humanitário. A Sorbonne Université está a dar contributos importantes nesse domínio. E estou certo que o continuará a fazer.
Há mais de uma década que em vários fóruns se concluiu que o futuro da Europa iria depender e muito da imigração.
Ainda o nosso Ocidente e a nossa Europa não tinham cometido os erros graves que cometeram nas suas fronteiras Leste e sobretudo na bacia do Mediterrâneo Oriental e Ocidental. As intervenções militares na Somália do Mediterrâneo (Líbia) e na Síria são exemplos do que nós, europeus e ocidentais, fizemos de errado.
Há muito tempo que vivemos uma espécie de inverno demográfico no velho continente.
Partidos democráticos (da esquerda à direita) deixaram-se infiltrar por populistas e demagogos que diabolizam a imigração. E que têm ocupado os chamados ‘espaços da mentira’. Hoje, nós, os que se reclamam da herança cristã, que não concordam com a laicização radical do nosso continente e que se reclamam herdeiros do humanismo, não devemos vacilar. E muito menos ter medo da perceção política errada que a generalidade dos media nos dá de que os imigrantes, os refugiados e os asilados nos querem conquistar e islamizar. Quem quiser ter trabalho encontra na História respostas para muita da demagogia que por aí tem vindo a florescer.
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