Os deputados não são os pajens do Governo

Numa altura de discussão do Orçamento, hostilizar (ainda mais) os partidos que o apoiam é um erro estratégico. 

Os tiques de maioria absoluta – nomeadamente a arrogância e autossuficiência que ela transporta – são conhecidos. Na verdade, os portugueses tiveram várias vezes essa experiência nos tempos dos Governos de Cavaco Silva, José Sócrates e Passos Coelho (que não tinha maioria, mas com o CDS era como se tivesse, tendo em conta que a troika estava em Portugal). 

Não é muito surpreendente a soberba dos dirigentes ungidos por maiorias. A capacidade do poder ‘subir à cabeça’ é do conhecimento popular. Aliás, não é por acaso que a grande maioria dos líderes passa genericamente por vários estágios na sua relação com o poder – euforia no início, noção exacerbada de autosssuficiência (em alguns casos impunidade, como com Sócrates); muitas vezes segue-se uma franca diminuição da adesão à realidade (Passos Coelho anunciou a TSU e foi ver um espetáculo, ficando surpreendido com as consequências do anúncio); e depois depressão, abatimento ou melancolia quando o poder acaba.

Estamos a falar do poder absoluto. Mas é estranho que este Governo por vezes se comporte como um Governo de maioria absoluta, quando existe exclusivamente porque, através de uma coligação parlamentar que não se chama coligação parlamentar, Bloco de Esquerda e Partido Comunista permitem a sua existência. Portanto, a autossuficiência – e diminuição acelerada da adesão à realidade – são possíveis quando os governos não têm maioria absoluta. O Governo Costa está aqui para prová-lo. 

Como foi possível Vieira da Silva ter assinado um Acordo de Concertação Social sem dar uma palavra sobre o seu conteúdo aos deputados socialistas, sendo que é a Assembleia da República que tem o poder de aprovar as propostas ali assinadas? Pior: tudo aconteceu quando os deputados socialistas discutiam alterações à legislação laboral com os parceiros de esquerda que, tal como os deputados do PS, foram apanhados de surpresa pelo Acordo de Concertação Social. 

É natural que o PS reivindique agora a sua autonomia e isso serve ao Governo: numa altura de discussão do Orçamento, hostilizar (ainda mais) os partidos que o apoiam é um erro estratégico. É natural que o PSD venha a apoiar o Acordo de Concertação Social, mas, que se saiba, o bloco central não é ainda  ‘solução de Governo’.