Imigração e Europa: o duelo entre os moderados e os duros

«Os povos da Europa não se tornaram xenófobos de repente». Donald Tusk

Para quem estuda, investiga, publica, ‘pratica’ e trabalhou na área das migrações – quer da imigração, da emigração ou de outras matérias conexas – nas últimas quase duas décadas, não deixa de ser irónico como, num ápice, ficámos a ouvir tanta gente falar sobre estas matérias. Muitos com recurso ao generalismo (alguns repetindo o que leram em poucos minutos num jornal ou revista), poucos com conhecimento de causa. Mas é o sinal dos tempos. Especialistas feitos à pressa.

Uma coisa é certa: mesmo tendo a maioria acordado tarde para o tema, ele aí está na ordem do dia.

Nas últimas semanas, na moda mediática e política, a palavra mais usada para qualificar a matéria é ‘migrações’. E não imigração, ou asilo, ou refugiados. Ou direito de retenção. Ou outras figuras jurídicas do direito internacional público ou do direito humanitário internacional. Para quem conhece a matéria em causa, a subtileza das palavras tem significado político. E muito.

Palavras que são reveladoras do estado da crispação identitária de algumas Europas dentro da Europa mãe. E como bem referiu Donald Tusk, «alguns povos da Europa não se tornaram xenófobos de repente». Isso mesmo. Quantos de nós já fomos avisando que a memória dos povos vale mais do que mil tratados? E que o laicismo radical iria dividir mais do que unir? E que a ortodoxia dos números e a secundarização das humanidades iriam contribuir nas sociedades contemporâneas para problemas bem mais profundos do que se imaginaria? 

Aliás, é bom comparar quem são, de onde vieram, o que leram e estudaram os que paulatinamente têm vindo a ganhar posições políticas, partidárias e de governo à conta de retóricas fechadas, demagógicas e populistas sobre a imigração e outras matérias. E já agora, que idade têm e tinham quando começaram a defender tudo isto? É simples de perceber. São na sua esmagadora maioria jovens (ou que se iniciaram com idade jovem nestas lides ideológicas). Hoje, em relação a estas matérias, vivemos na Europa uma espécie de refrega política (por enquanto só política…) entre os moderados (o tal centro político, incluindo a direita e a esquerda moderadas que muitos gostam de diabolizar) e os duros.

Não poderemos deixar de referir que a esmagadora maioria dos políticos, comentadores e jornalistas, em Portugal e na Europa, estiveram distraídos quando, há quase dez anos, um grupo de ‘sábios’ europeus (da política, economia, religião, cultura e história) elaboraram um trabalho muito rigoroso sobre o futuro da Europa. E chegaram à conclusão de que a imigração deveria ser uma prioridade. Não só politicamente, mas sobretudo económica e socialmente. À época, e nos anos seguintes, quase todos achavam que era só mais um estudo.

A somar a isso, tivemos o desastre que tem sido a política de vizinhança da Europa, quer a leste quer a sul, com o apoio do ‘Ocidente’ (Hillary Clinton, Blair, Sarkozy, etc.) a intervenções militares desastrosas no norte de África e no Médio Oriente, que são a razão principal do fluxo de refugiados e afins para a Europa.

Quem não se lembra de algumas palavras e vaticínios de pessoas como Khadafi antes de morrer? Este duelo entre moderados e duros está a dilacerar a Europa. Está a bloqueá-la. Está a fazer da Europa uma espécie de cobaia para novas formas de populismo e racismo. 

São muitos os muros que nos separam. Infelizmente isto acontece quando as grandes referências e personalidades europeias, com peso histórico e currículo, vão desaparecendo ou afastando-se. 

A Europa corre o risco de se tornar cada vez mais um gigante económico com pés de barro e um anão político à escala mundial. A atual crispação identitária de alguns pode ser o toque de finados da Europa humanista e cristã dos direitos, liberdades e garantias. 

Infelizmente, nem todos os media estão a percebê-lo. O direito europeu da imigração corre o risco de sofrer sérios reveses, com novas decisões no domínio do sistema comum de asilo europeu. Bem como a adoção de práticas inqualificáveis, como são os casos dos novos ‘leilões de escravos’. Tudo muito triste.

Conveniente

António Vitorino
Conheço-o o suficiente para afirmar que é a pessoa certa, neste momento, para liderar a OIM (Organização Internacional das Migrações). Tive a oportunidade de trabalhar com ele nalguns dossiês – eu enquanto governante de Portugal, ele enquanto comissário europeu. Portugal obtém assim mais uma vitória relevante no plano internacional. Um português moderado ao serviço de uma causa muito importante.

Inconveniente

Racismo e xenofobia
O cerco vindo do leste e do sul da Europa, por parte de governos, de organizações políticas e não políticas, e até de jornalistas e alguns media, com a assunção de posições racistas e xenófobas, está a apertar cada vez mais. Em vários casos a história repete-se. Os sentimentos de pertença e de identidade no seu pior. À revelia do humanismo cristão e da tradição religiosa europeia.
 

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