Longe estão os dias em que o jardim do Campo Grande, em Lisboa, era um local pouco convidativo – principalmente à noite. Hoje, não faltam por ali pessoas à noite, atraídas pela ementa do conhecido restaurante de fast-food que deu vida ao antigo cinema e centro comercial Caleidoscópio. Mas o que nem toda a gente imagina é que o icónico edifício de linhas geométricas é também ocupado por um espaço da Universidade de Lisboa que, desde 2016, tem portas abertas 24 horas por dia para qualquer estudante que queira trocar a secretária lá de casa por mesas largas, sistema de impressoras e wi-fi gratuito com uma paisagem verdejante. E entre os principais entusiastas, estão os estudantes que preferem a noite para estudar.
É o caso de Sofia Santos, 21 anos, estudante de Medicina Dentária na Egas Moniz. «Estou em época de exames e venho muitas vezes durante a semana à noite, às vezes farto-me de estudar em casa», diz em conversa com o SOL durante uma pausa do estudo. Já passa das dez da noite e só agora vai jantar. Costuma fazer noitadas até às seis da manhã. «Há muito poucos sítios para estudar abertos durante a noite em Lisboa, por isso é ótimo que este exista», afirma. À lista dos pontos fortes junta-se a luminosidade do espaço e o respeito dos estudantes uns pelos outros. «Mesmo não havendo pessoas na sala a controlar, há um ambiente de respeito e não há barulho». Numa sala de estudo com capacidade para 175 pessoas – ocupada por cerca de 40 esta noite, altura do dia em que, segundo o segurança, além das manhãs, é mais procurada -, isso não deixa de ser admirável.
Esse é também um dos motivos que traz Laura Jesus, estudante de 19 anos de Engenharia da Energia e do Ambiente na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, ao Caleidoscópio. «É calmo e tenho exame no sábado. Estou aqui desde as 10h da manhã e como está aberto à noite é bom», conta ao SOL. E porque não estudar em casa? «Prefiro estudar aqui porque em casa há muita coisa com que me distrair», justifica.
As distrações em casa são, precisamente – a par da preferência por estudar à noite – motivações comuns à maioria dos estudantes que aceitaram falar com o SOL. «Estou na primeira fase dos exames e na próxima semana começo os recursos. Para ser sincera, eu em casa olho para a cama e vou para a cama. Não me consigo concentrar», confessa ao SOL outra estudante, Maria Duarte, 20 anos, aluna do curso de de Medicina Dentária da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa.
Para outro estudante o problema não é a tentação de deitar e dormir, mas sim a tecnologia. «Em casa sinto que procrastino muito…», admite ao SOL Emanuel Noivo, 22 anos, estudante de Medicina na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. O futuro médico considera este «o melhor espaço para estudar». «Posso fazer noitadas e dormir de manhã, que é o que eu gosto», diz.
Já Joana, mestranda de 22 anos em televisão e cinema na Universidade Católica Portuguesa, está aqui pela primeira vez esta noite. «Os meus colegas é que vêm muito e gostam. Costumo ficar na universidade, mas não está aberta a noite toda… Estou em fase final de exames e pareceu-me um bom lugar para experimentar. E como prefiro estudar à noite do que durante o dia, vou voltar», conta ao SOL.
Não faltam, aos olhos dos estudantes, vantagens do Caleidoscópio – até mesmo àqueles que, na instituição onde estudam, têm espaços abertos 24 horas por dia com a mesma finalidade que este oferece. A estudante de Engenharia Química do Instituto Superior Técnico, Catarina, de 20 anos, é disso exemplo: «Farto-me de estudar em casa e vivo perto daqui, por isso venho. Estou agora a chegar e vou ficar aqui até à uma ou duas da manhã. Este sítio tem uma boa envolvência e é bastante calmo», algo que não encontra no espaço equivalente disponível no Técnico, onde o ruído e a agitação são uma constante.
Espaços para todos os gostos
Mais a sul na cidade, existe outro espaço bastante procurado por estudantes de diversas instituições, precisamente por estar disponível também pela noite dentro. Localizado no Pavilhão de Engenharia Civil, junto à entrada mais próxima do Jardim do Arco do Cego, no Espaço 24 os estudantes encontram wi-fi gratuito e inúmeras salas de aula que funcionam como salas estudo, umas mais movimentadas e ruidosas do que outras – mas a mais concorrida é mesmo o famoso ‘aquário’, como é conhecido, localizado ao fundo do corredor do piso térreo do Pavilhão – uma sala ampla e envidraçada onde não faltam mesas e cadeiras.
Numa quarta-feira à noite, vários estudantes conversam à entrada do edifício. Um grupo de quatro jovens que veio cá fora para tirar os olhos dos livros durante alguns minutos está particularmente animado. São amigos, têm entre 19 e 20 anos, mas não frequentam todos o Técnico nem tampouco o mesmo curso. Em comum, têm o gosto por estudar à noite e fora de casa. Joana estuda engenharia civil no Técnico e explica ao SOL que em casa se distrai muito: «Há muitas distrações, a televisão, o computador… Além disso, é mais fácil estudar com outras pessoas que estão a estudar o mesmo que eu». Já Marta, que estuda gestão na Nova SBE, conta que só está aqui esta noite para ajudar o amigo António com a cadeira de gestão do seu curso de Engenharia Eletrotécnica, que ali frequenta. «Eu até já estou de férias há um mês», revela, sorridente, acrescentando que nem gosta de estudar no Espaço 24 porque «tem imenso barulho». O amigo António, por sua vez, conta ao SOL que o Espaço 24 é uma peça fundamental do seu método de estudo: «Venho para aqui à noite porque gosto e costumo combinar com um grupo de estudo com outras pessoas». E o barulho, não incomoda? «Não, ponho os headphones e ajuda. Em casa desconcentro-me imenso, com os meus pais, a internet, o chat, a tentação de ir dormir…», confessa António. A amiga Catarina concorda. «Aqui há barulho, mas prefiro este barulho do que o de casa dos pais, da televisão, etc.. É muito mais fácil estudar aqui», defende. Para esta estudante de Direito da Universidade Lusíada, o Espaço 24 tem vários atrativos: «Está aberto e costumo estudar à noite porque custa-me acordar de manhã. Consigo concentrar-me muito mais à noite porque já estou com um ritmo diferente. Além disso, venho para aqui porque tenho muitos amigos aqui a estudar».
Lá dentro, no corredor, encontramos Cátia, de 21 anos. A estudante frequenta Engenharia Biomédica no Técnico, mas hoje nem chegou a tirar os livros e os cadernos da mochila porque o espaço está especialmente cheio – estão perto de cem alunos. «Normalmente venho para aqui e a parte de cima costuma estar aberta, mas hoje não está», queixa-se, referindo-se ao primeiro andar, exclusivo para os alunos da instituição.
Atrás vêm as amigas Laura Moura e Inês Lima, 21 anos, ambas estudantes de ciências farmacêuticas na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. Vão lá fora apenas para uma pausa, mas confirmam que o espaço está muito concorrido – algo que atestamos numa visita às cerca de 10 salas, onde encontramos poucas cadeiras livres e muito ruído, provocado por estudantes que trocam impressões uns com os outros. «Venho muito para aqui porque gosto de estudar à noite e aqui há sempre gente, o que é ótimo porque quando estamos sob pressão é bom ter companhia mesmo de desconhecidos», conta Laura. Para a amiga Inês, isso «é uma motivação extra». Laura conclui: «Depois, quando de repente são quatro, da manhã e precisamos de animação, é bom ter estas pessoas em redor».