O Departamento de Justiça norte-americano admitiu ter-se enganado ao separar um pai do filho, ambos cidadãos norte-americanos, no âmbito da política de tolerância zero para a migração. Apesar do erro, a família separada poderá ficar nessa situação por quase um ano, representando um exemplo do que muitas outras famílias de imigrantes sem documentos enfrentam à chegada aos Estados Unidos. As confissões foram feitas à juíza federal Dolly Gee, da Califórnia.
O governo norte-americano tinha até terça-feira para reunir as crianças com menos de cinco anos com as suas famílias. No mesmo dia em que o prazo terminou, a administração Trump anunciou que as famílias migrantes detidas, incluindo crianças, iriam ser libertadas com pulseiras eletrónicas. O governo federal tem até 26 de julho para juntar as crianças maiores de dez anos com as suas famílias.
“Os pais de crianças menores de cinco anos estão a ser reunidos com os filhos, já libertados e inscritos num programa alternativo à detenção, significando que ficarão sujeitas a monitorização através de pulseira eletrónica no tornozelo e libertadas”, explicou Matthew Albence, membro da direção da Agência de Imigração e Alfândega (ICE, sigla em inglês).
Em reação à admissão do erro da separação do filho do pai, a União Americana das Liberdades Civis classificou como “horrenda”, culpando a administração Trump pelas fragilidades da sua política para a migração.
“O facto de um cidadão ter sido apanhado nesta confusão mostra como a manutenção dos registos do governo são fracos, e este é apenas o último exemplo”, criticou o vice-diretor do Projeto de Direitos dos Imigrantes da UALC (ACLU, na sigla em inglês), Lee Gelernt, em declarações ao “Guardian”.
A UALC tem combatido nos tribunais a política de imigração do governo federal. No mais recente episódio de confronto, a 26 de junho, a instituição avançou com um processo judicial para travar a separação das famílias. Numa decisão que abalou a perceção de legalidade das ações da administração neste assunto, a juíza federal Dana Sabraw, da Califórnia, deliberou a favor da UALC, dando ao governo até 10 de julho para juntar as crianças menores de cinco anos com as suas famílias.
Na terça-feira, pouco tempo antes do prazo terminar, o Departamento de Justiça anunciou, em audiência judicial com a juíza federal Dolly Gee, que tinha sido incapaz de juntar 102 crianças com as famílias, sendo que 27 dos casos falharam por os serviços não terem conseguido descobrir o paradeiro dos pais. Ainda que não tenha números concretos, o governo avançou que as crianças menores de cinco anos perfazem 5% do total de menores detidos, entre as duas e as três mil que se encontram em centros de detenção. O Departamento de Justiça pediu o prolongamento do prazo da ordem judicial, mas a juíza recusou, por considerar que as crianças foram separadas inapropriadamente das famílias. “Estes são prazos firmes. Não são objetivos aspiracionais”, explicou Gee.
A juíza também recusou o pedido do governo para suspender os requisitos de as crianças de poderem ser detidas apenas em instalações que respeitem os regulamentos estaduais de bem-estar infantil.
“É extremamente desapontante que o governo não cumpra totalmente com a ordem judicial”, disse Gelernt.
A administração Trump está a respeitar parcialmente a decisão judicial por não ter alternativa. Na noite de segunda-feira tentou contornar um precedente legal, de 1997, que estipula que os menores não podem ser detidos por mais de 20 dias.
Com as críticas à sua política de migração, mas principalmente por não ter uma política alternativa, Trump recuou e o governo parece ter instituído a prática que no passado chamou de “apanhar e libertar”. Um primeiro passo neste sentido foi dado a 20 de junho, quando assinou a ordem executiva para terminar com a separação de famílias, mas com as pulseiras eletrónicas parece ter recuado, pelo menos por agora.
E também recuou parcialmente no discurso. “Bem, tenho a solução: dizer às pessoas para não virem para o nosso país ilegalmente. Não venham para o nosso país ilegalmente. Essa é a solução. Venham como as outras pessoas. Venham legalmente”, disse Trump nas imediações da Casa Branca antes de viajar para a Europa. “É isso que está a dizer? Está a punir as crianças?”, questionou uma jornalista. “Não queremos crime e queremos que as nossas fronteiras signifiquem algo. E lembrem-se disto: sem fronteiras não se tem país”, respondeu o presidente.