O Tribunal Constitucional decidiu que é inconstitucional limitar a concessão de licença de segurança privada a quem não tenha qualquer condenação por crime doloso. Segundo os juízes conselheiros, a norma constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º34/2013, não respeita a Constituição, uma vez que «nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos». O preceito, acrescentam os juízes, foi introduzido na revisão constitucional de 1982 exatamente para «retirar às penas quaisquer efeitos estigmatizantes».
Esta decisão, datada de 4 de julho, foi tomada na sequência de um pedido de fiscalização de constitucionalidade da norma feito pelo provedor de Justiça. Na sua exposição, a Provedoria de Justiça salientava que este impedimento significava uma condenação a duplicar: «Nesta direção vai também a jurisprudência firme e constante do Tribunal Constitucional, ao considerar que aqueles efeitos materialmente equivalem, na prática, a uma outra pena, que, por isso mesmo, deve estar sujeita às regras próprias do Estado de direito democrático, designadamente o princípio da reserva judicial, o princípio da culpa e o princípio da proporcionalidade da sanção. Basta mencionar, por exemplo, os acórdãos n.os 154/2004, 239/2008, 368/2008 e 25/2011.»
Ainda que o Constitucional reconheça a relevância de o Estado prevenir excessos e reduzir riscos numa atividade como a segurança privada, refere que «importa avaliar se, na prossecução deste intento, a medida legal respeita o princípio da proporcionalidade».
Regular sim, mas de outra forma
«Sendo a atividade de segurança privada um modo organizado e profissional de administrar a autotutela – que, nos termos gerais, é uma atividade difusa, casuística e inorgânica, que não prossegue qualquer escopro lucrativo –, não pode deixar de se reconhecer ao Estado o dever de prevenir os excessos e riscos, associados a tal atividade, em especial o uso excessivo ou abusivo de formas de coação privada», refere a decisão.
Os juízes conselheiros salvaguardam que o comportamento anterior de uma pessoa perante os bens que estão em causa no exercício da segurança privada, isto é, o respeito pela vida e integridade física das pessoas, o respeito pela ordem e tranquilidade públicas, o respeito pela reserva da intimidade da vida privada e, em geral, pelos direitos e liberdades de terceiros e pelo respetivo património, «não deve ser pura e simplesmente desconsiderado».
A concluir, dizem que, se por um lado a limitação de concessão de licença a todos os que têm cadastro passa pelo crivo da adequação, dado que não é contrária ao interesse público, por outro não passa no da necessidade, por haver outras formas para garantir o mesmo fim, ou seja, o da segurança das pessoas.
Como exemplo, os juízes referem que alguém que tenha cometido um crime fiscal não pode ser impedido de fazer segurança privada, uma vez que o crime por que foi condenada nada tem a ver com as funções que vai desempenhar. Segundo a norma, «quem tiver praticado um crime fiscal ou um crime por violação de regras urbanísticas, fica impedido de, no futuro, vir a exercer a atividade de segurança privada, sem que, na verdade, seja reconhecível qualquer conexão relevante entre esses crimes e a proteção do interesse coletivo no exercício da função».
Constitucional dá sugestão
Ainda que os conselheiros refiram não caber ao Constitucional apresentar uma solução para uma nova norma, é referido que será obrigatório fechar o leque de crimes para que a restrição venha a tenha proporcionalidade.
«Do exposto resulta claro que existem outras medidas legais que, sendo adequadas à prossecução dos fins visados, seriam menos onerosas para o titular do direito fundamental restringido, visto que o legislador não limitou a aplicação do requisito legal a um determinado tipo de crimes cuja prática, no seu juízo, revelasse em abstrato uma danosidade social que colocasse em causa o interesse coletivo subjacente a um exercício digno da atividade de segurança privada», adiantam.
A norma agora declarada inconstitucional foi incluída na lei no Executivo de Passos Coelho, em 2013, e, ao contrário da anterior, que limitava a concessão de licença a todos os que tivessem sido condenados por crime doloso contra a vida ou crimes que estivessem de alguma forma relacionados com a segurança privada, a nova redação passou a excluir todas pessoas que tivessem pelo menos uma condenação, fosse por que crime fosse.