Quem é Cláudio Gomes?
É um investigador, um bioquímico que tenta perceber por que é que as proteínas, que são essenciais para as células, têm uma determinada estrutura tridimensional e como é que alterações nessa estrutura estão frequentemente associadas a doenças como a doença de Alzheimer. Sou também professor associado no departamento químico e bioquímico da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e sou um otimista.
Por que diz que é um otimista?
Porque a empreitada científica é um grande desafio, é um esforço global. É um processo extraordinariamente difícil, porque estamos a tentar responder a perguntas que têm uma complexidade grande e tentamos fazer o nosso melhor para as abordar. É sempre importante termos um espírito otimista e esse otimismo resulta sobretudo do que nos compete fazer no laboratório. É um esforço colaborativo internacional e global, a possibilidade de trabalharmos com outros colegas porque a atividade de todos se complementa para abordar de uma forma mais simples as tais respostas às perguntas que podem ser complexas.
Que disciplinas é que leciona?
Leciono disciplinas aos alunos de licenciatura e de mestrado. Na licenciatura, vou lecionar este ano, pela primeira vez, Bioquímica I. É um desafio, porque é a primeira disciplina com que os alunos têm contacto com a Bioquímica. Coordeno uma disciplina que está relacionada com os métodos experimentais, chama-se Bioquímica Experimental II. Sou o coordenador de um mestrado em Bioquímica que permite implementar as áreas mais avançadas da bioquímica. Leciono uma disciplina chamada Estrutura de Função de Proteínas onde explico os fundamentos deste processo de proteína folding [enovelamento de proteínas]. O ano passado lancei uma disciplina opcional chamada Bioquímica da Neurodegeneração que teve uma excelente aceitação por parte dos alunos.
Quanto à investigação, de que forma é que pode contribuir para a esperança dos doentes de Alzheimer?
Esta descoberta que nós fizemos é importante para dar uma pista sobre o que nós pensamos ser o processo básico e fundamental da Biologia e da Bioquímica da doença de Alzheimer. Nós sabemos que a doença resulta da formação destes agregados da proteína amiloide que formam placas que se acumulam nas células e levam à morte das mesmas. Mas há muitos pontos de interrogação no processo. O que o nosso estudo mostrou foi que uma das proteínas que estão envolvidas nesse processo de resposta tem efetivamente um efeito de retardar a formação dos agregados dos amiloides numa fase inicial da patologia. A importância deste trabalho vem do facto de podermos ter uma perspetiva do que é um fenómeno que achamos que é biologicamente relevante no contexto da bioquímica na doença de Alzheimer. Mas ainda é preciso que se perceba que as curas e as terapias resultam de uma investigação fundamental e apesar de existir investigadores em todo o mundo a estudar a doença de Alzheimer ainda há muito por saber e, portanto, este estudo é uma contribuição no sentido de acrescentar mais um bloco de conhecimento a esse conhecimento global.
Considera que esta investigação pode ajudar os médicos e os especialistas a perceberem melhor a doença de Alzheimer?
Contextualiza um fenómeno que já se conhecia. O que o nosso estudo mostra é que, de facto, uma das proteínas da resposta inflamatória, a S100B, existe em grandes quantidades no mesmo sítio, ou seja, fora das células onde se estão a formar os agregados da proteína amiloide. Este foi um dos aspetos que nos levou a questionar se as duas proteínas poderiam interatuar e regular o processo tóxico. Este estudo trás uma perspetiva molecular e bioquímica para os doentes afetados com Alzheimer e, portanto, obviamente que vai acrescentar algo à área.
Acredita que vai permitir aos médicos desenvolverem novas formas de tratamento?
Não, não pode ser esse o ponto de partida. Dificilmente será uma investigação que vai ter essa translação imediata. O que nós vamos fazer melhor é criar perguntas mais sofisticadas ou mais úteis para perceber como é que poderá eventualmente retardar a acumulação de agregadosβamiloide. Perguntas que nós podemos, e que já estamos interessados em responder: Será que nós conseguimos de alguma forma utilizar anticorpos direcionados para esta proteína S100B que vão de alguma forma amplificar o efeito que demonstrámos sobre a agregação do amiloide? Será que algumas moléculas que fazem ações anti-inflamatórias e que têm como alvo esta proteína S100B podem ter alguma relevância no processo que estudamos? Mesmo estando a falar de moléculas que já são aprovadas como fármacos para outras patologias não quer dizer que possam vir a ser utilizadas para a doença de Alzheimer. Há uma cadeia de eventos muito densa e muito complicada e que tem que ser encarada com realismo, por isso não poderia de maneira nenhuma dizer que daqui ia sair uma terapia.
Quanto tempo é que a equipa de investigação demorou a chegar a estas conclusões?
Este foi um estudo que nós desenvolvemos durante alguns anos. O investigador é sempre confrontado com um certo dilema: a altura em que deve comunicar à comunidade os seus resultados da observação. O que nós quisemos fazer foi ter tantos elementos quantos possíveis que nos convencessem o mais possível sobre a importância da descoberta que estávamos a fazer. Esta última investigação talvez tivesse demorado dois a três anos.
Como chegaram a esta descoberta?
As principais características de um investigador é a capacidade de observação. Este estudo partiu de uma observação, nós sabíamos que havia formação destas placas nas células com Alzheimer, sabíamos que havia a resposta inflamatória e já haviam estudos nesse sentido. O nosso estudo partiu desta observação, que levou à pergunta: Será que estas duas proteínas interagem? Demonstrámos com um estudo que sim e que resulta num retardar do processo de agregação tóxica de amiloide e que estes agregados na presença da proteína S100B é bloqueado.
Quais são os próximos passos da equipa?
Agora temos uma coleção de anticorpos que deteta diferentes zonas de proteína S100B, o que queremos saber é se a proteína associada aos anticorpos vai ter a mesma ação que descrevemos. Precisamos de utilizar um tipo especial de anticorpos que desenvolvemos contra a proteína S100B que vão talvez permitir trancar a estrutura da proteína numa conformação que seja mais propensa ao retardar da agregação. A outra direção que queremos seguir é perceber se os outros membros da família da S100B têm funções idênticas.
Sente que ficou muita coisa por fazer?
Na ciência há sempre muito para fazer. É esse o fascínio, essa é a razão de que temos de ser otimistas porque há sempre novas hipóteses a testar e essa é a beleza.
O que sentiu quando publicaram o artigo na revista científica Science Advances?
Nós ficamos naturalmente muito contentes, porque publicar este trabalho numa revista com a notoriedade da Science Advances de facto dá uma visibilidade ao trabalho que é fora do comum. Qualquer investigador quer que o seu trabalho tenha visibilidade para ser testado e replicado por outros.
Depois da descoberta que planos tem para o futuro?
Continuar sempre a fazer melhor. Fazer melhor em ciência é formular sempre as melhores questões que a nossa investigação pode abordar ou não, continuar a formar jovens investigadores a nível dos seus estudos, porque de facto estes jovens colaboradores são peças essenciais no processo de investigação.
Que conselhos deixa a futuros investigadores que pretendam iniciar estudos e investigadores?
É sempre essencial ter um espírito curioso, ter uma abordagem rigorosa às perguntas que se pretende responder, ter muito claro qual é a pergunta que querem abordar e muita persistência no sentido saudável, de saber que é preciso estudar e é preciso empenhar. Mas é importante arranjar um balanço e fazer coisas diferentes porque é daí que também vai surgindo um espaço para saber melhores coisas na ciência.