PERCEBO muito bem o problema de Ronaldo ao querer sair do Real Madrid e ir para a Juventus. É certo que vai de um clube maior para um mais pequeno. Mas às vezes não é isso o que mais importa.
Ronaldo estava cansado do Real Madrid e o Real Madrid estava cansado dele. Ele tinha ganho tudo no Real Madrid e não tinha mais nada para ganhar.
Por muito sucesso que as pessoas tenham, e por maiores que sejam, precisam às vezes de mudar, de testar os seus limites, de fazer coisas diferentes.
Julgo perceber muito bem o que ele sente, pois – salvaguardando as devidas distâncias, que são descomunais (ele é uma figura galáctica e eu sou um modesto português) – vivi uma situação semelhante há uns anos, quando saí do Expresso para fundar o SOL.
NO EXPRESSO eu tinha ganho tudo o que havia para ganhar. O jornal tinha alcançado o estatuto indiscutível de melhor semanário português. Tinha atingido a tiragem inimaginável de 200 mil exemplares. Batia recordes de publicidade e de lucros financeiros. Não tinha concorrência. Quanto a mim, assinava a coluna mais lida do jornal, a Política à Portuguesa, e tinha ganho o prémio de melhor jornalista no espaço de língua portuguesa e espanhola.
Foi nesta altura que percebi que eu estava cansado do jornal e que o jornal estava cansado de mim. Ofereceram-me um lugar esplêndido, de supervisão, com um estatuto ótimo e um ordenado excelente. Mas não era isso que me interessava. O meu papel ali tinha acabado.
A FUNDAÇÃO de um novo jornal foi uma sensação única, insubstituível. Pensar tudo de novo, fazer tudo de novo, desde o nome ao logótipo, desde a estrutura ao mais ínfimo pormenor gráfico, inventar secções nunca vistas, inovar numa área em que se dizia já estar tudo inventado, conceber de raiz uma campanha de lançamento em moldes completamente diferentes do habitual, foi uma experiência exaltante.
Eu e as pessoas que me acompanharam nesta aventura – o José António Lima, o Mário Ramires, o Vítor Rainho, a Ana Paula Azevedo, a Carolina Silva, o meu filho José Cabrita Saraiva – tivemos depois a satisfação de ver as pessoas corresponderem, esgotarem a 1ª edição em poucas horas. Percebemos que o país esperava por um novo jornal – e achava que nós éramos as pessoas certas para o encabeçarmos.
VIVEMOS a seguir momentos excecionais. Fizemos trabalhos de investigação corajosos: o Freeport, o Face Oculta, os Submarinos. Enfrentámos José Sócrates, que parecia um homem todo-poderoso, imbatível, dominando a política, a banca, a Justiça e boa parte dos media.
Não respeitámos uma providência cautelar e fomos para a rua com uma edição em que a manchete eram apenas duas palavras – O Polvo – sobre um fundo negro que representava o perfil do então primeiro-ministro.
Se eu tivesse ficado no Expresso não teria vivido todos estes momentos tão importantes para mim… e até para o país.
Um dia Cavaco Silva disse-me que nunca esperara que eu saísse do Expresso. Mas incentivava-me a continuar. E nunca me arrependi.
TENDO EM ATENÇÃO a minha experiência, penso que Cristiano Ronaldo ainda pode vir a viver momentos muito felizes em Turim. Se ficasse no Real Madrid, era um deus – que a pouco e pouco se transformaria num ícone, numa estátua de bronze, que não tinha já nada a provar e de quem já não se esperava nenhuma surpresa.
Em Turim, Ronaldo reinicia de certo modo a vida. Do ponto de vista profissional mas também, um pouco, do ponto de vista pessoal. Como ser humano. A dimensão do clube não é aqui o que interessa mais. O que sobretudo interessa é o que fazemos, o que criamos, o que conseguimos de novo. É com isso que a vida se constrói – e não com a acomodação.
Ronaldo sentiu que tinha uma oportunidade e arriscou. É óbvio que qualquer mudança implica um risco. Mas mesmo que as coisas não lhe corram tão bem como em Madrid, ele vai ter um enorme gozo com esta mudança de ares. Vai viver experiências novas, conhecer outros hábitos, outras gentes, outro clima.
Para mim, Ronaldo fez muito bem em mudar. Se me tivesse pedido conselho, era o que lhe diria. Também eu, se voltasse atrás, voltava a fazer o mesmo.