É médico de clínica geral?
Sou médico de família, o que me obriga a lidar com várias doenças e muita psiquiatria. Hoje em dia as pessoas têm grandes problemas: problemas relacionais, depressão, por causa do desemprego, por causa do ritmo de vida. Depois lido com as principais doenças: diabetes, hipertensão, doença cardiovascular, gastrointestinais, o rastreio do cancro… tenho de estar atento, identificar, saber suspeitar. E depois o tratamento dos doentes crónicos, idosos isolados. O abandono das pessoas nos lares é um problema cada vez mais premente. Não há estruturas e as que há acabam por ser depósitos de velhos que estão lá à espera da morte.
Além da clínica geral especializou-se nalguma área?
Depois de fazer a especialidade de medicina geral, fiquei quase mais um ano a trabalhar em psiquiatria. Também tenho experiência em pneumologia, porque trabalhei num antigo sanatório. E fui do último curso em que se fez serviço médico à periferia. Fomos para o Interior durante um ano, tínhamos de fazer de tudo, desde partos a apendicites. Isso deu-me uma experiência clínica muito larga, e deu-me também possibilidade de conhecer muitos tipos sociais, muitas situações de drama. Os médicos que se formam hoje são muito focados para o computador, para a análise informática e estatística.
A propósito do envelhecimento e do final de vida. Imagino que tenha acompanhado a discussão da eutanásia. Tomou alguma posição?
Não me repugna nada em termos de tese, quando falamos daquele grupo restrito de pessoas que estão ainda em plena posse das suas faculdades e têm uma doença que vai dar uma morte horrível e decidam em consciência. Mas esse é um problema residual. O grande problema é que temos muita gente que já perdeu a consciência e a capacidade de se gerir a si própria. Quem é que vai decidir eutanasiar essas pessoas? É a família? São os tutores? Não me parece bem. Por outro lado, ninguém fez o testamento vital e agora estamos a discutir a eutanásia? Vamos começar pelo princípio.
Estamos a dar um passo antes de termos resolvido coisas pendentes?
Primeiro tornar quase obrigatório deixar um testamento vital. Depois fazer com que haja cuidados continuados e cuidados paliativos para toda a gente. Depois disso tratemos da eutanásia. No dia a dia o que eu encontro na vida são lares com montes de idosos à espera da morte, pessoas descerebradas, com Alzheimer, sem qualquer capacidade de decisão. São as instituições que decidem por elas, são os familiares. E aí há pessoas que são muito carinhosas, outras são muito avarentas e egoístas, só querem os bens.
Mas a eutanásia não pode resolver alguns casos?
Pode, mas é uma gota de água. E tem de ser muito bem balizada, porque o Estado não vai ter capacidade para o fazer, então vai-se gerar um negócio. Havendo empresas privadas a proporcionar a eutanásia, a tendência é para suavizar e liberalizar os motivos para eutanasiar porque dá dinheiro. Portanto tem de ser tudo muito bem pensado. O grande problema não é esse. É resolver a vida das pessoas que querem viver, ou mesmo que não sabem se querem. Ter instituições, instalações, para serem tratados com dignidade, com carinho. Isso não há ainda, só para os ricos.
Muitas vezes a medicina preocupa-se apenas em manter a pessoa viva, o que quer dizer pouco mais do que ter o coração a bater…
Mas lá está, a pessoa é que tem de deixar escrito: ‘Não quero ser entubado. Não quero ser reanimado’. Devia ser quase obrigatório. Até porque o testamento vital é alterável. Hoje pode achar que não quer ser reanimado, mas daqui a uns anos diz ‘Alto, quero andar aqui mais uns anos’. E altera.
E como se faz isso?
Basta dirigir-se ao centro de saúde e diz que quer redigir o testamento vital.
Mas no meu caso, aos 38 anos, faz-me um bocado de confusão…
Estar a pensar nisso? [risos] É, mas o tempo passa num instante, e quando chega a altura a pessoa não fez.
Já fez o seu?
Também não [risos]. Mas eu sou médico, só dou conselhos.