O regime legal de contratação de doutorados, criado pelo Decreto-Lei 57/2016 e alterado pela Lei 57/2017, de 19 de julho, pretende estimular o emprego científico e tecnológico através da contratação de investigadores doutorados, com vista à sua integração nas entidades do Sistema Científico e Tecnológico Nacional, assim como nas suas múltiplas parcerias e formas colaborativas com o tecido económico e produtivo português. A pouco mais de um mês do limite de abertura do último procedimento concursal, os números mostram alguma demora na aplicação da Lei 57, em especial por parte das instituições de ensino superior (IES): 592 concursos abertos em 1951 possíveis. Em resposta, o Governo criou o Observatório de Emprego Científico para forçar a abertura dos mesmos.
Portanto, num cenário em que o Governo se compromete, através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, a financiar em 100% a contratação de doutorados por seis anos e, em contrapartida, as IES mostram alguma resistência, é tempo de pensar que a mesma pode estar assente em inconsistências. Não é normal o Governo prometer financiamento, para a contratação de investigadores, e haver entidades acolhedoras a hesitar no uso do mesmo. O que poderá estar errado neste processo e que merece reflexão? A meu ver há um fator determinante: a incerteza! Para além do caracter endogâmico da Lei 57, que pode ser vista como uma forma indireta e questionável de contratação de docentes, e que merece também reflexão, há incerteza e desconfiança por parte das IES no horizonte temporal, para além do período transitório de seis anos, sobre os verdadeiros encargos financeiros.
Solução? No caso das universidades, assumindo a inevitabilidade da aplicação da Lei 57, talvez fosse necessário refletir sobre a oportunidade de haver uma carreira de investigação especial nas mesmas (atualmente inexistente) e sobre a necessidade de haver um compromisso interpartidário alargado para a sustentar. Em Portugal, as carreiras de investigação, nas suas formas mais ou menos simplificadas, foram progressivamente transferidas das universidades para os laboratórios (associados, do Estado, colaborativos e outros) e para as empresas, pois são entidades com menores défices de gestores e técnicos para criar condições de carreira aos investigadores doutorados.
Dado que o apoio financeiro do Estado está comprometido a aumentar, dos atuais 1,3% para os 3% do PIB em 2030, a confiança política poderá ser um fator determinante para as IES aplicarem a Lei 57.
*Diretor da Licenciatura e do Mestrado em Engenharia Civil
Universidade Lusófona, Lisboa