Uma das coisas mais parvas que a direita faz à esquerda é exigir-lhe voto de pobreza. Segundo o vox populi de alguma direita, qualquer cidadão de esquerda teria que comer sempre em tascas, comprar roupa na feira, nunca frequentar hospitais privados – veja-se a campanha contra o deputado comunista António Filipe recentemente fotografado numa unidade saúde privada, etc. A direita adora fazer aquilo de que acusa com frequência a esquerda: ver o mundo a preto e branco.
Infelizmente, o problema de Ricardo Robles, vereador do Bloco de Esquerda na Câmara de Lisboa, não é este. Ricardo Robles tem todo o direito de dispor do dinheiro que ganha com o seu trabalho e de rendimentos que obtém com a ajuda dos seus pais. O que já é complicado do ponto de vista dos princípios políticos que defende é ter estado à beira de realizar uma mais-valia de quatro milhões de euros, naturalmente à conta da especulação imobiliária contra a qual se tem insurgido. E para isto Ricardo Robles não dá uma explicação consistente.
A ideia de que a ‘culpa’ de lucrar tamanha mais-valia – o prédio esteve à venda por 5,7 milhões, embora não tenha chegado a ser vendido – seria da irmã é uma justificação sem pés nem cabeça. Ricardo Robles é crescidinho, só podia saber o que estava a fazer: um investimento imobiliário (que se revelou excelente, segundo a imobiliária) num local que em 2014 já era uma zona nobre de Lisboa.
A explicação de que decidiu comprar um prédio num leilão da Segurança Social por 340 mil euros em 2014 para ser «a habitação da irmã» é em si um bocado ridícula. A justificação de que o valor de 5,7 milhões de euros foi decidido pela imobiliária é mais patético ainda – e também é da irmã a culpa de o imóvel ter ido parar ao mercado, contra a vontade de Robles, por ter decidido ficar na Bélgica «ao contrário do plano inicial». É insustentável ser-se o principal arauto contra a especulação imobiliária e lucrar com ela – ou ter estado à beira de.
P.S. Escrevo hoje pela última vez no SOL. Queria agradecer aos leitores a paciência de acompanharem estes textos. Aos meus camaradas de direção, redação, fotógrafos, gráficos e a toda a gente que faz este jornal queria agradecer a amizade, o profissionalismo, o espírito de equipa e muitas outras qualidades que só são conhecidas por quem trabalha dentro deste prédio do Beato.