O festim de sangue de Manuel Pureza e Sérgio Graciano

Está aí a anunciadíssima longa-metragem de Manuel Pureza com Sérgio Graciano: Linhas de Sangue. Um filme de super-heróis que poderá ser mesmo ‘muita fruta para pouco sumo’. Mas a ideia era mesmo essa.

No final de Linhas de Sangue, quando Manuel Chança está prestes a morrer – se morre ou não, não saberemos – julgaremos que o assassino é o pai: «Adeus pai», despede-se a personagem do submundo, espécie de agente secreto sem que se perceba ao certo o que seja interpretada por José Raposo, mas depois vem o resto, e será afinal isto Um Adeus Português (João Botelho, 1986) que irá por aí fora até Aniki Bobó (Manoel de Oliveira, 1942). Adeus ao cinema, a tudo o que tem sido, o cinema português?

Provavelmente, sim, pelo menos pela explicação de Manuel Pureza, correalizador, coargumentista  e ainda coprodutor deste filme que ambiciona, segundo a nota de intenções, ser «o primeiro grande blockbuster português». «Queremos só ser absolutamente cáusticos», diz ao SOL. «O filme é muito disruptivo, é um bocado rock’n’roll a mais. Mas, se pensarmos, o filme mais visto em Portugal é O Pátio das Cantigas [de Leonel Vieira], que  é um remake. Se gostei? Não é muito o meu género, como se percebe pelo Linhas de Sangue, mas acho que foi um filme super importante, uma estratégia do Leonel Vieira absolutamente brilhante, porque leva ao cinema três gerações. O que me  faz  confusão como é que a minha geração, que tem agora 30 e poucos anos, olha para isso sem sentir um certo calafrio: onde é que estão as ideias novas? Ainda que as ideias novas sejam revisitar géneros cinematográficos que nos sejam tão estrangeiros como o slapstick. Temos o Vasco Santana mas não temos o slapstick dos anos 1980 e 90. Não temos filmes de ação com treinos em Monsanto ou na Trafaria… O que fizemos aqui foi ser absolutamente irresponsáveis, pronto, quebrar um pouco as regras».

O resultado é um filme de super-heróis a partir da ameaça estrangeira de uma Alemanha, liderada pelo seu chanceler, pronta a tomar o lugar do Presidente da República português com um golpe de Estado, primeiro passo para tomar toda a Europa, num plot que não será tão linear quanto isso. Pelo meio, um atentado terrorista em preparação, liderado pela General Porto Covo  (Débora Monteiro), levada pelo seu pai para a guerra colonial aos 5 anos, e ainda a destruição de uma clínica onde são levadas a cabo experiências para controlar a mente humana que hão de envolver lobotomias. Tudo isto, na verdade mais ainda, e 54 atores, dos quais mais de metade hão de acabar mortos, em pouco mais de duas horas de filme – para depois ficará uma outra versão, de três horas, a ser exibida na RTP numa minissérie de seis episódios – rodado em apenas 17 dias e com um orçamento que, sublinha Pureza, ficou «ainda longe» dos 600 mil euros correspondentes ao financiamento habitual o Instituto do Cinema e do Audiovisual para uma longa-metragem apoiada pelo Estado. 

«A decisão de  avançar com este argumento absolutamente louco e insano perante todas as contingências de orçamento [o filme avançou com financiamento privado e com os próprios realizadores como produtores, através da Caos Calmo, de Sérgio Graciano, e da Coyote Films, de Manuel Pureza] foi ser precisamente essa a identidade deste projeto». Que, caso contrário,  «seria mais um projeto seguro, calmo e sereno como são a maioria dos filmes portugueses precisamente por todas essas contingências». Um filme que «certas pessoas», admite Pureza, que assina o argumento em conjunto com Ricardo Oliveira e a realização com Sérgio Graciano, «vão achar que é demais, que é muita fruta para pouco sumo, mas que serão provalemente as mesmas que não são tão fãs deste género que é a loucura nonsense que obriga a este multiplot que tem um esqueleto comum, mas que  tem também mil grupos que são apresentados da maneira mais louca e estapafúrdia, que é o que faz, por exemplo, Life of Brian», de Terry Jones, dos Monty Python, que Pureza apresenta como referência. 

Pelo meio de tudo isto, importante será não esquecer que este é para ser um filme de super-heróis. Superheróis acidentais – e para isso melhor exemplo será a Josefina que interpreta Marina Mota. «Tentámos aqui uma coisa um bocadinho megalómana, não só em termos de produção como  de intenções. Temos um filme que pega na circunstância portuguesa e que a transforma numa razão para haver superheróis acidentais. Aquilo de que estamos a falar aqui é da subjugação da Europa à Alemanha, isso é a base, mas é um filme de super-heróis. E estes filmes de super heróis jogam sempre com o standard do macho-alfa que vem salvar o dia e as mulheres que são, regra geral, mamalhudas, boazonas e com pouco cérebro. Aqui até isso será alvo de alguma sátira», nota Pureza.