Não, a Vanessa não vai fazer um novo partido como o Santana Lopes, embora, por uma questão de cultura urbana e tradição se mantenha sempre muito interessada nas coisas que Santana vai sugerindo enquanto “anda por aí”.
Também não vai emigrar, como aconteceu no tempo da troika, quando acabou em Londres a fazer “qualquer coisa”. Londres tem essa vantagem de haver sempre “qualquer coisa” para fazer e, por estes dias, até arranjar alojamento em Londres é tão caro como em Lisboa. Ah, e a meteorologia! Longe vão os tempos em que o verão inglês só se vislumbrava em junho. Hoje, o tempo em Londres está de longe mais quente do que em Lisboa levando as autoridades britânicas a emitirem avisos de alerta de calor. Mas não, não vai emigrar.
Segundo me comunicou há uns dias, decidiu abandonar estas páginas. Está um bocado farta de que eu conte a vida dela aos sábados. Acusou-me moderadamente de “canibalizar” a sua vida em função dos meus interesses. A conversa foi chata mas a vida está cheia de conversas chatas e na realidade eu tenho tanta experiência de ter conversas desagradáveis com a Vanessa que nada me surpreendeu muito.
– Mas ao menos conta-me uma história de despedida, pedi eu.
– Odeio despedidas. Nunca faço. São uma seca.
Eu tendo a concordar porque também tenho um problema com as despedidas. A primeira vez que mudei de jornal tinha 24 anos. Trabalhava no semanário “O Jornal” com pessoas fabulosas, que me mimaram imenso, que me deixaram fazer imensas coisas tendo em conta que eu era uma miúda, que me ensinaram jornalismo às toneladas. Eu era feliz. Estava contente. E, no entanto, quando recebi o convite para ir para o Público achei que era totalmente irrecusável. Tive a intuição – certa – de que, apesar de ser naquele momento bastante feliz, poderia vir a atingir píncaros de felicidade que na altura desconhecia, mas de que tinha fundadas suspeitas que pudessem existir. E embora a nossa Constituição seja omissa, os fundadores da América puseram lá no texto, de que Thomas Jefferson acabou por ser o redator final, “o direito à busca da felicidade”.
Esse foi o primeiro – e até ver o último – jantar de despedida da minha vida. Pelo menos no que toca a jantares que são a minha despedida.
O restaurante era o Caracol da Esperança, ali na rua da Esperança, a Santos. Quando cheguei estava imensa gente (eu tinha dito que as pessoas eram queridas). Sentei-me. Acho que não demorou 15 minutos até ter começado a chorar. Naquele tempo eu era uma grande chorona, coisa que a idade se encarregou de corrigir, embora as exceções apareçam de vez em quando para me atormentar.
Acho que chorei durante três horas, com ligeiras interrupções para comer qualquer coisa. Ninguém sabe a enorme chatice que é ser uma chorona: é uma espécie de transe. Seria anódino se não nos tivessem convencido que “uma mulher não chora”, coisa com que chateiam os homens há séculos. Lembro-me de, a dada altura, ter ido à casa de banho para lavar a cara, que parecia um pimento vermelho, e a Ângela Caires que era uma das minhas colegas séniores – morreu em 2013 – me estar a consolar e a dizer coisas maravilhosas. Mudei de emprego algumas vezes depois disso – poucas – mas não quis voltar a ter um jantar de despedida.
– Vanessa, pelo menos fazemos um jantar de despedida?
Eu perguntei por perguntar. Na verdade também não me apetecia muito.
– Não, estou farta de te aturar.
E não é que me caiu uma lágrima? Infelizmente, pouco furtiva. A Vanessa esteve-se nas tintas para a minha comoção e desligou o telefone.