Da Finlândia para a imortalidade. No passado domingo, os 20 (mais um, chamado à última hora para se sentar no banco na final) meninos convocados por Hélio Sousa para o Campeonato da Europa de sub-19 saíram da Finlândia com a mais apetecida medalha para qualquer grupo que compete a este nível: a de ouro. Nada, diga-se, de muito novo para a maioria do conjunto: é que muitas dessas caras tinham já celebrado a conquista do Europeu de sub-17 há dois anos – até o treinador é o mesmo.
O triunfo na final sobre a Itália (4-3, num jogo louco) coroou um percurso praticamente imaculado na competição: três vitórias por números expressivos – 3-1 à Noruega, 3-0 à Finlândia e 5-0 à Ucrânia – e apenas uma derrota, precisamente frente aos italianos logo na fase de grupos (2-3), num encontro em que a seleção portuguesa ficou reduzida a dez logo aos nove minutos. Para a frente da vitrina europeia saltaram, acima de todos os outros, João Filipe (mais conhecido por Jota) e Trincão, que acabaram a prova como melhores marcadores (cinco golos) e com exibições que encheram o olho aos maiores tubarões. No onze ideal da competição, de resto, marcaram presença quatro jogadores portugueses (o central Romain Correia, o lateral-esquerdo Rúben Vinagre, o médio Florentino Luís e ainda o já referido Jota), ficando outros três no banco da equipa ideal (o lateral-direito Thierry Correia e os extremos Domingos Quina e Trincão).
Os primeiros de todos
O triunfo na Finlândia, aliado àquele de 2016 em Baku, no Azerbaijão, leva a crer estarmos perante uma nova geração de ouro do futebol português. A referência é frequente e transporta-nos imediatamente para as seleções de sub-20 que em 1989 e 1991 conquistaram, de forma consecutiva, o Mundial da categoria, lançando para a ribalta nomes que viriam a marcar uma era no futebol português, como Fernando Couto, Paulo Sousa, João Vieira Pinto, Jorge Costa, Abel Xavier, Luís Figo, Rui Costa ou o próprio Hélio, treinador dos recém-consagrados.
Essas foram as primeiras – e únicas, até ao momento – grandes conquistas portuguesas a nível mundial no que a seleções diz respeito. E marcaram o fim de um jejum que durou 28 anos: isto porque, em abril de 1961, um grupo de rapazes escolhido por David Sequerra e treinado por José Maria Pedroto, então ainda em início de carreira, venceram o então denominado Europeu de Juniores, realizado em Portugal e resolvido com um póquer de Serafim na final frente à Polónia (4-0), no Estádio da Luz.
Dessa equipa fazia parte António Simões, que rapidamente se assumiria como imprescindível no fantástico Benfica dessa década de 60 – e inícios de 70 – e na principal Seleção Nacional, com destaque para a epopeia do Mundial de 1966. Ao b.i., o antigo extremo-esquerdo relembra com saudade o «primeiro título de sempre conseguido por uma seleção portuguesa no futebol». «Em 1960, na Áustria, tínhamos ficado em terceiro. Essa geração foi espontânea, o nível de organização na altura era zero – é impensável comparar com a realidade atual. Até por isso, o que ficou à vista com essa conquista foi a vocação inata do jovem jogador português para a prática do futebol. Alguma coisa genética tinha de existir nos jogadores portugueses para ser possível conseguir esses resultados nessa altura. Mais do que marcar o início de um percurso de sucesso, acima de tudo o que mudou com essa vitória foi a compreensão de que era preciso aumentar a exigência na organização para aproveitar o potencial do jovem futebolista português», realça António Simões, ele que no espaço de um ano foi duas vezes campeão europeu – em maio de 1962 viria a vencer a Taça dos Campeões Europeus pelo Benfica ao Real Madrid (5-3), em Amesterdão, sendo ainda hoje o mais jovem campeão europeu de sempre (tinha, nessa final, 18 anos e cinco meses).
O antigo internacional português vê na geração atual talento e potencial para chegar a grandes palcos. Deixa, porém, um alerta: «Como disse o presidente da República, estes miúdos são o futuro. Que tem de ser rentabilizado, não pode ser abandonado. Todos podem ser campeões uma vez. Mas será que isso chega? Ou é para ser mais vezes? Todos estes miúdos têm condições para fazer uma grande carreira – se tiverem juízo, que me parece que sim. Alguns, pelo que mostraram nas duas competições que venceram, têm potencial para se tornar reis ou príncipes do futebol português e, porque não, internacional. Mas tem de haver disponibilidade para os orientar para o sucesso. Fala-se muito da ambição, do dinheiro, mas isso é sempre compatível com a paixão pelo jogo. A paixão só os ajuda a jogar melhor, e se jogarem melhor, vão ganhar ainda mais dinheiro e ser mais bem sucedidos. Cabe aos treinadores, aos dirigentes e aos empresários ajudá-los a chegar lá.»
Em 1961, todos sabemos, os tempos eram outros. Esse pensamento é válido para todas as áreas da sociedade, entre as quais o desporto e a forma como se relacionava com a política. «Não havia o aproveitamento político que há agora: nós, por exemplo, não fomos recebidos por ninguém após vencer o Europeu de Juniores. Teve impacto, sim, para cada um de nós, jogadores, e para a própria Federação [Portuguesa de Futebol], mas um impacto à dimensão do que era o país na altura. Em termos internacionais não teve muita expressão – muito longe do que o Benfica conseguiu ao chegar a cinco finais da Taça dos Campeões Europeus e ganhar duas, ou à caminhada no Mundial de 1966. Mas foi uma geração que marcou, muitos daqueles jogadores chegaram à Seleção principal», realça António Simões, admitindo que, há 58 anos, era «uma preocupação para os pais» os filhos dizerem que queriam ser futebolistas. Muito diferente, de facto, da realidade de hoje.
A origem da geração de ouro
A verdade é que a vitória de 1961 acabou por ser um oásis num deserto de títulos jovens. Foi preciso esperar até 1989 para ver Portugal de novo a conquistar um troféu na formação – mas valeu a pena. Na Arábia Saudita, os meninos comandados por Carlos Queiroz surpreenderam tudo e todos e venceram o primeiro título mundial da história para Portugal. Um feito que viriam a repetir dois anos depois, então já em Lisboa, num percurso absolutamente imaculado que acabaria com Rui Costa a apontar o penálti decisivo na final com o Brasil.
Estávamos, aí, no início de uma era dourada nas camadas jovens das seleções nacionais. Ainda em 1989, dois meses depois do triunfo em Riade, os sub-16 de Portugal venceriam pela primeira vez o Europeu da categoria, mais uma vez com uma caminhada absolutamente arrebatadora, que incluiu um triunfo por 2-1 sobre Espanha nas meias-finais com bis de Gil, que se sagraria campeão mundial de sub-20 dois anos depois, tal como Figo, também ele a marcar na categórica vitória por 4-1 na final contra a Alemanha.
Em 1994, novo título europeu, agora nos sub-18, numa geração que contava, entre outros, com Quim, Beto, Dani e Nuno Gomes. No ano seguinte, mais medalhas de ouro nos sub-16, num plantel onde marcavam presença, por exemplo, Marco Caneira, HugoLeal ou Zeferino, cujas exibições lhe valeram o ingresso no Real Madrid – onde acabaria por não singrar. E em 1996, outra conquista nesse escalão, com Hugo Leal a repetir o feito e um jovem Simão Sabrosa a roubar a cena com grandes exibições – onde se destaca o hat-trick à Croácia nos quartos-de-final (5-1).
O ano de 1999 marcaria o último título europeu no formato de sub-18. A partir de 2002, o Campeonato da Europa dessa categoria passou a ser para sub-19 – precisamente aquele conquistado no passado domingo pelos meninos de Hélio Sousa. Há 19 anos, um golo solitário de João Paulo fez a diferença na final… frente à Itália. E em 2000, nova conquista nos sub-16 – e última, pois também esse torneio mudaria em 2002 para o formato de sub-17 –, com Quaresma a bisar na final frente à República Checa (2-1).
Maradona surgiu no Fontelo
Chegava então 2003 e o Europeu de sub-17 organizado em Viseu: «Tínhamos um grupo bastante unido, forte, coeso, e sentimo-nos sempre muito apoiados pelo público. Na final havia pessoas em cima do muro, nas árvores… Mas Espanha era a grande favorita, tinha David Silva, que hoje está no Manchester City, o Jurado, que na altura era apontado como uma das grandes promessas do futebol mundial. Como se diz na gíria do futebol, toda a gente dizia que Espanha ia limpar o torneio. E isso ainda nos fez unir mais e acreditar que era possível.» As palavras são de Márcio Sousa, na altura já conhecido como Maradona no meio futebolístico – «começaram a chamar-me assim ainda nas camadas jovens do Vitória de Guimarães, por ser baixinho e pelo pé esquerdo, e ficou até hoje» –, e autor dos dois golos com que Portugal derrotou precisamente os espanhóis na final.
Numa equipa recheada de jogadores que vieram a atingir o ponto mais alto do futebol nacional – Miguel Veloso, Paulo Machado, Tiago Gomes, Hélder Barbosa, João Moutinho e Vieirinha chegaram à Seleção principal, com os dois últimos a sagrarem-se mesmo campeões europeus em França em 2016 –, o homem que decidiu a final acabou por não confirmar na maioridade tudo o que se esperava dele. Não conseguiu, por exemplo, chegar à I Liga, e aos 32 anos acaba de assinar pelo União Torcatense, que milita no Campeonato de Portugal. Ao b.i., confessa acreditar que tudo é uma questão de timing. «Nessa altura, o FC Porto ganhou Taça UEFA e Liga dos Campeões, em Portugal ganhava tudo. Estava no topo dos topos. Era muito difícil conseguir entrar na equipa. Se calhar, se o FC Porto não estivesse tão bem, teria sido mais fácil entrar. O futebol é feito de oportunidades, de momentos. Nos outros clubes, como não ganhavam, acabavam por olhar mais para os jogadores mais novos, e muitos deles tiveram a oportunidade e não defraudaram as expectativas. E ainda bem, fico muito contente por todos, permanecemos amigos ainda hoje», salienta o médio criativo.
Ao olhar para a geração que trouxe o ouro de Seinajoki, na Finlândia, Márcio Sousa vê um grupo com muitos jogadores «com qualidade acima da média» e potencial para atingir altos voos no futebol sénior. «Os tubarões europeus olham cada vez mais para a formação de Portugal quando pensam em procurar jogadores de excelência. E claro que é super-motivante para um miúdo destes jogar nestes palcos, seja por isso, seja simplesmente pelo facto de poder conseguir jogar num dos clubes grandes em Portugal. Eu em 2003, com 17 anos, estava completamente feliz por fazer treinos com a equipa principal, às ordens do José Mourinho e a treinar ao lado de jogadores como o Deco, o Vítor Baía e tantos outros que eram os meus ídolos», assume.
Agora, um novo desafio surge no horizonte de Jota, Trincão e companhia: o Mundial de sub-20 do próximo ano, na Polónia. Depois de 1991, só em 2011, na Colômbia, Portugal conseguiu sonhar com novo triunfo – a chamada Geração Coragem, onde Nélson Oliveira era a grande figura, caiu na final perante o Brasil (2-3, após prolongamento). No Palácio de Belém, após a receção de MarceloRebelo de Sousa à equipa, Thierry Correia deu o mote: «Para o ano queremos estar aqui outra vez!» E como não há duas sem três…