O Senado argentino rejeitou na noite desta quarta-feira a legalização da interrupção voluntária da gravidez. Após 16 horas de debate, 38 senadores votaram contra a lei, enquanto 31 votaram a favor e outros dois se abstiveram. Um resultado que mostra que o tema está longe de ser consensual na sociedade argentina.
O debate no Senado começou na manhã de quarta-feira, mas à medida que ia avançando também os ânimos foram-se exaltando. Milhares de pessoas concentraram-se nas proximidades do Senado. De um lado, e sem que a chuva os fosse capaz de dissuadir, milhares de manifestantes pró-aborto, vestidos de verde, esperaram ansiosamente pela votação, enquanto do outro lado e a umas poucas centenas de metros, outros milhares de manifestantes, antiaborto e vestidos de azul celeste, participaram numa vigília. No final da noite, apenas um dos lados festejou o resultado: os manifestantes antiaborto, com sorrisos na cara e aos saltos nas ruas. “Esta é uma vitória para a Argentina e para o resto do mundo. O país mostrou que os bebés são seres humanos”, disse, eufórica, Mariana Rodríguez Varela ao jornal “La Nacion”. Do lado oposto, a reação não podia ser mais diferente: tristeza, lágrimas, incredulidade, raiva.
Frustração que não tardou a ser exteriorizada contra a polícia. Munida de canhões de água, bastões e gás pimenta, a força antimotim da polícia de Buenos Aires avançou contra os manifestantes pró-aborto, que, por sua vez, ripostaram com pedras. Uma jovem ficou ferida e oito pessoas foram detidas.
A atual lei sobre o aborto remonta a 1921 e apenas o permite em casos de violação ou de risco para a vida da mãe. Há 97 anos foi uma das mais progressistas na América Latina, mas nos dias de hoje parte da sociedade argentina vê-a como retrógrada e insuficiente na defesa dos direitos das mulheres. Além de o legalizar, a nova lei permitiria às mulheres abortarem até às 14 semanas e responsabilizava o Estado pelas custas.
As hipóteses do aborto ser legalizado na Argentina eram ainda há uns anos escassas. Só em tempos mais recentes é que o movimento ganhou ímpeto a ponto de a Câmara dos Deputados aprovar, a 14 de junho, o projeto lei que o Senado agora chumbou. Entre a aprovação e o chumbo, movimentou-se a Igreja Católica, que decidiu não correr riscos e fazer pender a balança para o contra. Padres e bispos desdobraram-se em missas e iniciativas várias para denunciar o projeto lei. Num dos sermões, o cardeal Mario Aurelio Poli afirmou que o aborto “será sempre uma tragédia” e que está “longe de ser a solução”. E a pressão também se estendeu aos senadores, com o dirigente católico a pedir-lhes diretamente para rejeitarem a lei e “salvaguardarem o direito à vida, especialmente dos mais fracos e vulneráveis”.
Muitos senadores chegarem a dizer que as suas posições antiaborto derivavam das suas crenças religiosas. A vitória do “não” mostra o poder que a Igreja Católica ainda tem na Argentina. Influência que não passou despercebida a um dos principais jornais argentinos, o “Clarín”, que na sua capa de ontem escreveu: “A Igreja, o jogador chave que conseguir impedir a lei”.
O presidente argentino, Mauricio Macri, disse estar “muito satisfeito” com o resultado da votação, assegurando que o aborto continuará a ser discutido. E a Igreja também não tardou a reagir. A Conferência Episcopal Argentina celebrou o resultado e reafirmou que apenas “Deus pode dar e tirar a vida”.