É a controvérsia do momento. Compreende-se. O aquecimento global, a tragédia grega, a desolação na Califórnia, o mundo em chamas.
Chegou a nossa vez, de novo.
Desde o ano passado que as expectativas foram aumentadas quanto à não repetição da tragédia redobrada, a suficiência dos meios , a corrida à prevenção, a ideal eficácia do combate.
Multiplicou o Governo iniciativas, ao longo do ano, tendentes a demonstrar que tudo estava no bom caminho, participaram pessoas e instituições, limpou-se boa parte do país.
Um inverno, chuvoso e frio, que se prolongou no tempo invadindo a quase inexistente primavera e adiou o verão, fez acreditar no melhor.
Neste clima, o Governo exagerou porventura.
Declarou o sucesso durante o tempo favorável, comparou números incomparáveis.
E, com um sentido de oportunidade notável, há dois meses deslocou-se a Monchique para comprovar como tudo estava preparado e pronto.
O que faltaria, então? Duas coisas simples: que as condições meteorológicas se não rebelassem e a capacidade e competência dos comandos responsáveis fossem garantia.
Azar, azar para todos nós.
Se a loucura se apoderou do clima, um comandante nacional que falhou em 2012 no grande incêndio de Tavira teve uma nova oportunidade. Do comando nacional para o comando local. Uma nova oportunidade que se revela dramática: então 25 mil hectares ardidos, até agora um pouco mais.
Abrandou o calor, o comando passou para o nível nacional.
Nacional ou local, a mesma triste sorte.
E eis como um incêndio que em vários momentos foi anunciado como praticamente extinto e combatido com exuberância de meios ainda persiste e destrói.
Ou, recorde-se como tanto especialistas como cidadãos comuns descobrem se terem repetido os percursos de anteriores chamas.
Ou, note-se, como estações de televisão mostram como a coordenação (?) ignorava a destruição de casas ou os conflitos com as desesperadas populações.
Perante um incêndio que crescia em área, em força e no tempo, não teve o ministro outro recurso senão tentar anunciar melhores dias.
Não foi suficiente.
É a vez do primeiro-ministro vir a terreiro.
Sucesso, brada.
Ninguém percebeu.
Insiste e acrescenta.
«Um incêndio não se apaga como uma vela de um bolo de aniversário, esta fatalidade é uma exceção que confirma a regra, continuará a arder sem data final prevista».
Ou seja, proclama as banalidades mais impressionantes.
Simplifica.
Longe (dois meses atrás) vai o tempo de enaltecer o esforço para salvaguarda das condições de vida, garantia da permanência das produções ligadas à terra para a sobrevivência da economia local, manutenção da ocupação do território.
Hoje tudo está, mais uma vez, comprometido.
O silêncio que se faz parece resultar de uma proibição.
Tenho muita dificuldade em entender esta reverência cega, esta negação da crítica à eficiência das entidades públicas, este rebuço ao exame do governo.
Ele existe para responder às ameaças, para ocupar o lugar difícil, para ter sucesso quando tudo parece desmoronar-se.
A democracia exige a avaliação do mérito ou do demérito.
Exige, também, que um governo responda nas condições que encontra com as soluções que for capaz de inventar.
Pode a história oferecer-lhe uma herança difícil.
Tem de descobrir a centelha da vida.