Está a ser um ano de razia para os grandes nomes da gastronomia mundial. Depois de Paul Bocuse, que partiu em janeiro, Joël Robuchon morreu esta segunda-feira, em Genebra. Tinha 73 anos e não resistiu a um cancro do pâncreas ao qual tinha sido operado no ano passado. O mítico chef francês, que teve uma constelação de estrelas Michelin – 32, no ponto mais alto da sua carreira -, era considerado um dos pioneiros do pós-nouvelle cuisine. Influenciou profundamente a gastronomia francesa nas décadas de 70 e 80, numa altura em que as modas gaulesas ditavam o tom para o resto do mundo. Atualmente, continuava a deter umas impressionantes 28 insígnias douradas. Um campeonato no qual era dono indiscutível de todos os lugares do pódio: Robuchon, o grande «génio da gastronomia», como lhe chamou o francês Le Figaro no obituário que lhe dedicou, foi o chef que mais estrelas recebeu ao longo da carreira, iniciada aos 15 anos como ajudante de cozinheiro no seminário onde tinha entrado para se tornar religioso.
Robuchon nasceu em Poitiers, uma cidade no centro-oeste de França, a 7 de abril de 1945, no seio de uma família profundamente católica, filho de um pedreiro e de uma doméstica. Entrou para o Petit Séminaire de Mauléon-sur-Sèvres aos 12 anos, mas três anos depois já tinha encontrado a sua verdadeira vocação. Nunca mais haveria de largar as cozinhas – mesmo doente, trabalhou até ao fim da sua vida. Em 1974, aos 29 anos, o primeiro grande desafio: a cozinha do hotel Concorde Lafayette. Durante os dois anos em que trabalhou no Lafayette, liderou uma equipa de 90 cozinheiros e construiu uma sólida reputação, que lhe valeu um convite para encabeçar a cozinha do hotel Nikko como chef executivo. E foi aí que ganhou as suas duas primeiras estrelas Michelin.
Em dezembro de 1981, abriu o seu primeiro restaurante, o ‘Jamin’. Foi um sucesso retumbante: nos três primeiros anos, colecionou uma estrela por ano, um feito sem precedentes. Em 1994, abre um restaurante com o seu nome na Avenue Raymond Poincaré, em Paris. Nesse ano, o International Herald Tribune considerou-o o ‘Melhor Restaurante do Mundo’. Mas antes já tinha no palmarés um prémio inigualável: em 1990, foi considerado o ‘chef do século’ pelo guia de cozinha Gault et Millau.
Aos 50 anos, porém, anunciou que se iria retirar. Estava saturado do exigente mundo da alta cozinha e dos pratos técnicos. Em 1996, mudou-se para a província de Alicante, em Espanha, que viria a inspirar os seus passos futuros e a ditar um regresso à simplicidade da comida. É assim que, em 2003, abre em Paris o primeiro L’Atelier, inspirado na culinária japonesa e espanhola. O restaurante tinha uma cozinha aberta para a sala, algo inovador para a época, privilegiava o «espírito do convívio» e refletia o novo Robuchon. O projeto foi sinónimo de mais um sucesso estrondoso, depois replicado em cidades como Las Vegas, Nova Iorque e Singapura. Em 2016, Robuchon atingiu o tal valor recorde de estrelas Michelin: 32. O chef tinha, até há pouco, 26 estabelecimentos espalhados pelo mundo (entre restaurantes, salões de chá e bares). Vendeu-os a um fundo de investimentos sedeado em Inglaterra e Luxemburgo quando soube que estava doente.
Antes do L’Atelier, Robuchon estreou-se na televisão com o programa Bon Appétit Bien Sûr, em 2000. Muito antes de Jamie Oliver o fazer, ensinava ao público receitas práticas e baratas, O programa, que rematava sempre com a mesma frase, «Et n’oubliez pas, bon appétit bien sûr!» (E não esqueça, bom apetite, claro!), tornou-se num sucesso de audiências. Em 2011, mudou de programa mas manteve a lógica com o Planète Gourmande. Durante todo este tempo publicou cerca de duas dezenas de livros de culinária e, para aproximar as pessoas da gastronomia, até transformou o mosteiro da sua terra natal numa escola de cozinha.Nos últimos tempos, Robuchon continuava a ser um visionário e mesmo antes de o saudável estar na moda – e também, porventura, face ao avançar da idade – procurava cozinhar cada vez menos açúcar e gorduras, como contou no ano passado numa entrevista ao Guardian. «Quanto mais velho estou, melhor percebo que a verdade está na comida simples, que pode ser do mais extraordinária. E é extremamente difícil. Fazer algo muito sofisticado e com ingredientes de enorme qualidade é muito fácil, mas cozinhar algo simples que seja extraordinário é onde está a maior dificuldade, é das coisas mais complicadas que se pode fazer numa cozinha».
Robuchon deixou também uma série de pupilos célebres, como Gordon Ramsay, que, nas redes sociais, lhe deixou a seguinte mensagem de despedida: «Perdemos o Pai das estrelas Michelin, o mais condecorado Chef no mundo que nos manteve alerta! Mesmo quando estávamos a dormir. Obrigado, Chef».Em 2014, a Business Insider perguntou-se quais tinham sido ido as suas refeições mais memoráveis e a resposta foi surpreende: queijo, uma garrafa de Château d’Yquem de 1987, pão e galinha. Tudo temperado com grandes amigos e servido com uma paisagem extraordinária. Afinal, a simplicidade era o prato forte do chef mais estrelado do mundo.