No final de julho, em iniciativas meticulosamente pensadas, multiplicaram-se os recados em matéria de política internacional. Os protagonistas são figuras cimeiras da política mundial.
Cada um, a seu modo, levantou um pouco do véu das mudanças para os próximos tempos. Macron, em Lisboa, revelou, entre outras, intenções de alteração profunda nas dinâmicas política e económica da União Europeia; Xi Jinping, em Joanesburgo, divulgou a intenção de formalizar um novo quadro de cooperação internacional no âmbito dos BRICS.
O fecho de ano político serviu para os balanços de uns, enquanto outros anunciavam a suas intenções de consolidação e renovação de trajectórias. E só alguns ousaram colocar desafios segundo um modelo diplomático de negociação, em que contrabalançaram ameaças com oportunidades, na medida exata do poder e da relevância política dos parceiros visados.
Tanto em Lisboa como em Joanesburgo ficaram muitas pistas escondidas, mas, propositadamente, encenadas para espicaçar, motivar e acelerar dinâmicas. Em ambos os palcos foi posta a tónica no facto de estarmos a viver um ambiente marcado pelo crescimento assimétrico, situação que, como se sabe, tem conduzido a níveis de concentração de poder económico verdadeiramente escandalosos e intrigantes, mas que parecem já não intrigar nem escandalizar ninguém.
Em Joanesburgo, Xi Jinping mostrou-se empenhado em gerar as novas dinâmicas de reorganização das relações internacionais que vão marcar o final da segunda década do século XXI. Em Lisboa, Macron lançou a ideia de uma Europa a diferentes velocidades, ao que parece numa lógica de cooperação por coroas. Trump, por seu lado, mostrou-se, em diferentes intervenções, apreensivo com as alianças explícitas e implícitas que parecem não assegurar os seus níveis mínimos de confiança, preocupado com o sonho inalcançável de liderança unilateral do sistema internacional – consumido com as relações com o Irão, expectante nas conexões com a Coreia do Norte, apoquentado com a União Europeia (que é vista como ameaça), cogitativo com o modelo de financiamento da NATO, onde, retoricamente, omitiu o efeito de ‘reciclagem de fundos’ realizada pelo mecanismo invisível de compensações associado às compras feitas às indústrias de defesa dos EUA.
Em tudo se percebe que as diferentes crises nacionais, que emanaram da crise internacional, ampliaram as preocupações com as políticas interna e externa dos diferentes blocos geoeconómicos, levando vários políticos à constatação da urgência em corrigir as desigualdades e assimetrias, confiantes de que a sua intervenção redefinirá uma nova e mais justa geometria de relacionamento político e económico a nível internacional.
Stiglitz avisou oportunamente que, «para pormos a economia a funcionar em benefício dos cidadãos comuns, teremos de enfrentar as regras e as instituições que deram origem à quebra no investimento, ao crescimento lento e à acumulação desenfreada de rendimentos no topo…».
O cenário assume grande complexidade, reclamando uma robusta capacidade política. As dificuldades persistem e apresentam-se apetrechadas de muitas máscaras e muitos nomes. Convido o leitor a que, por cá, fiquemos atentos às próximas ‘festas’ da política, para tentarmos perceber qual será o nosso posicionamento face a tão grandes desafios. Sei que seremos alertados para que, se não fôssemos tão ‘ingénuos’, a crise não teria acontecido de modo tão profundo e trágico. Mas sei também que cada um de nós vai interiorizar que a ingenuidade não é nossa, mas de outros, e que a responsabilidade, essa, é apenas de alguns. O costume.