Inquérito das casas de Pedrógão sem arguidos

Ministério Público abriu inquérito há um mês para investigar casos suspeitos de burlas – desvios de fundos e donativos – para a reconstrução de casas que arderam em Pedrógão.

Ainda não há arguidos no inquérito sobre alegadas burlas, desvios de fundos e de donativos ,para a reconstrução de casas que foram destruídas no incêndio de Pedrógão Grande, no ano passado. O Ministério Público (MP) está a investigar vários exemplos que foram denunciados pela imprensa mas, até à data, não foram «constituídos arguidos», disse esta semana fonte oficial ao SOL.

Também a Provedora de Justiça está atenta a estas situações tendo decidido por iniciativa própria fazer o «acompanhamento integrado de problemas, já identificados ou que venham a ser conhecidos, relacionados com a reconstrução das áreas afetadas pelos incêndios e com o apoio às populações», explicou esta semana ao SOL fonte oficial. 

Também o Conselho de Gestão do Fundo Revita, que gere as verbas de apoio do Estado e de 60 entidades, diz que «solicitou à comissão técnica a avaliação e informação» e um «cabal esclarecimento» sobre as situações em concreto denunciadas. 

 

Os casos suspeitos

O inquérito do MP foi aberto no final de julho, depois de uma reportagem da revista Visão ter denunciado vários exemplos de alegados esquemas de burlas. 

A revista denunciou a reabilitação de casas que não eram consideradas prioritárias (de segunda habitação), a reabilitação de imóveis que nem arderam e a reconstrução de casas que nem eram habitadas há largos anos. O alegado esquema passou pela alteração da morada fiscal para a morada das casas que foram reconstruídas, passando assim a serem consideradas como primeira habitação.

Esta quarta-feira, a TVI insistiu no assunto e transmitiu uma reportagem enunciando vários casos suspeitos de desvio de verbas para a reconstrução de casas, revelando a situação de uma casa que foi construída onde antes funcionava um palheiro. Por outro lado, a reportagem denuncia ainda casos relativos a primeiras habitações, detidas por idosos, cujas obras ainda não terminaram um ano após o incêndio.

De acordo com as reportagens da Visão e da TVI, a Câmara Municipal de Pedrógão Grande foi a responsável pela instrução dos processos de recuperação e tanto o presidente da autarquia, Valdemar Alves, eleito pelo PS, como o ex-vereador do Urbanismo, Bruno Gomes, teriam conhecimento de várias denúncias de alegadas burlas. Há ainda o alegado envolvimento de presidentes de junta de freguesia do concelho e de funcionários da autarquia de Pedrógão Grande na alteração das moradas fiscais e na recuperação de casas de alguns dos seus familiares.

De acordo com as contas da Visão, através deste esquema terão sido desviados meio milhão de euros do fundo e de donativos que chegaram a Pedrógão transferidos por várias entidades, como é o caso do Revita (o fundo da Segurança Social), da SIC Esperança, da Cruz Vermelha, do La Caixa, das Misericórdias e da Gulbenkian. 

O SOL tentou contactar, várias vezes, o autarca Valdemar Alves, mas não teve sucesso. À reportagem da TVI, o presidente da Câmara de Pedrógão Grande diz que «tudo o que existe da reconstrução das casas está muito bem feito». Confrontado com documentos onde consta a alteração de morada fiscal, Valdemar Alves refere apenas que «não tinha conhecimento» da situação e que «não acredita» que o vereador Bruno Gomes tenha incentivado a população a forjar papéis.

Depois da transmissão da reportagem o autarca fez saber, em comunicado, que pediu a intervenção do MP para que sejam averiguadas as denúncias divulgadas pela TVI e que vai avançar com queixa-crime contra a jornalista e todos os responsáveis editoriais da estação de Queluz de Baixo. 

O SOL perguntou ao PS se mantinha a confiança política no autarca, mas os socialistas recusaram comentar o caso dizendo apenas que aguardam a conclusão das investigações. 

No total, arderam 265 casas de primeira habitação no concelho de Pedrógão Grande. Para a recuperação destes imóveis, foram angariados cerca de dez milhões de euros, dos quais quatro milhões resultaram de donativos de 60 entidades. A somar a estas verbas houve várias empresas que, em vez de transferirem dinheiro, doaram materiais de construção e foram para o terreno para reabilitar as casas. No total, os apoios deverão chegar aos 17 milhões de euros.