Foi o primeiro funcionário da ONU a chegar ao cargo de secretário-geral. E, na década de 1960, quando entrou para a organização como administrativo, poucos adivinhavam que viria a ocupar o espaçoso gabinete de líder no 38.º andar do edifício da sede, em Nova Iorque. Kofi Annan, diplomata e construtor da paz, foi provavelmente um dos mais importantes chefes da ONU, ainda que tenha sido também dos mais controversos. Na década de 1990, quando era responsável pelas operações de manutenção da paz, deram-se dois dos maiores falhanços da organização: o genocídio no Ruanda e o massacre da guerra da Jugoslávia. Num caso e noutro, os operacionais pediram-lhe que autorizasse intervenções musculadas no terreno para minimizar o risco de tragédia. Annan recusou e acabou acusado de demasiada cautela. Sobre o Ruanda, admitiria, mais tarde, ter avaliado mal a gravidade do conflito.
Se, em qualquer outra organização, poderia ser obrigado a resignar ou acabaria por se ver esvaziado de poder, na ONU Kofi Annan subiu a secretário-geral em 1996, quando foi preciso substituir o primeiro líder africano, Boutros- Ghali. E foi escolhido num momento difícil, em que as Nações Unidas tinham, reconhecidamente, perdido o rumo. Apesar de tudo, a escolha foi popular: o ganês que subiu a pulso era defensor de soluções multilaterais, ao mesmo tempo que reconhecia ser preciso reestruturar a organização, redefinindo o foco em novos desafios, como a globalização.
A prioridade, avisou, seria eliminar a pobreza nos países em desenvolvimento, mas de forma construtiva, sem deixar de colocar a tónica na necessidade de os Estados aceitarem limitar a sua natural propensão para o soberanismo. É que Kofi Annan, entretanto rotulado como «amigo dos americanos», acreditava que a ONU servia, em primeira instância, para prevenir os conflitos étnicos e os abusos dos direitos humanos entre Estados. E rapidamente mostrou um estilo de liderança contrastante com o antecessor, Boutros-Ghali, que liderara a organização com um pulso por vezes demasiadamente duro. Pouco depois de tomar posse, teve de lidar com a situação turbulenta de Timor-Leste, que ameaçava explodir a qualquer momento. O seu papel na independência, através do chamado «método Kofi Annan» foi reconhecidamente decisivo.
Em 2001, ganhou o Prémio Nobel da Paz – um novo passo notável para o miúdo aristocrata africano, descendente de chefes tribais. Annan, o terceiro de cinco irmãos, nasceu em Kuamsi, no Gana, numa altura em que a cidade era a capital da tribo Ashanti. O pai chegou a ser governador provincial e, sobre essa altura, Annan falou sempre da importância da vida simples. «Uma vida simples dá maior liberdade», dizia. O Gana tornou-se independente em 1957 e, um ano depois, Annan ganhou uma bolsa da Fundação Ford para estudar nos Estados Unidos. Viajou depois para Genebra, onde estudou Economia, e começou a carreira, como administrativo, na Organização Mundial de Saúde. A partir da década de 1980, passou a ocupar posições de responsabilidade na ONU. Reformou-se em 2006 e, um ano mais tarde, criou a Fundação Kofi Annan, dedicada à mediação de conflitos e aos direitos humanos. Apesar de afastado, há seis anos foi enviado da ONU na Síria, mas acabou por abandonar o terreno: não havia nada a fazer para evitar o conflito. Em 2000, resumiu a sua filosofia num discurso memorável perante a Assembleia Geral da ONU, em que afirmou taxativamente: «A opressão não é uma alternativa à pobreza, nem o desenvolvimento é uma alternativa à liberdade». Kofi Annan morreu no sábado, aos 80 anos, na Suíça. «Ele era, de muitas formas, as Nações Unidas», disse António Guterres, o atual secretário-geral da ONU.