Há polémicas que, por mais reflexão que se faça, não se percebe a sua razão de ser. E outras inexistem e, depois do facto consumado, ninguém percebe por que ninguém polemizou.
Lisboa, cidade, é neste particular muito fértil.
Fértil em polémicas estéreis. Fértil em mamarrachos e monos que ninguém sabe como se tornaram realidade sem ninguém sequer bufar.
Valha a verdade, não é só Lisboa. Os exemplos vão de norte a sul do país (do Prédio Coutinho, que está para ir abaixo há décadas em Viana do Castelo, à muralha de torres em Quarteira, que, vistos agora tantos outros atentados, como Armação de Pêra, até já lhe descobrimos alguma beleza).
Mas Lisboa é a capital e também nesta matéria o é.
No final do século passado, por exemplo, se houve obras que deram polémica foram a construção do Centro Cultural de Belém ao lado dos Jerónimos e a das Torres das Amoreiras ao cimo do viaduto Duarte Pacheco, entre outras que, pela autoria, ficaram conhecidas por ‘taveiradas’.
Hoje, já todos se habituaram às Amoreiras e o CCB é um verdadeiro must.
É, por norma, sempre assim com obras de arquitetura que implicam um salto de modernidade ou vanguardismo.
Nos anos 90 também, quem não se lembra da Torre que Foster projetou para o aterro da Boavista (em Alcântara, ao lado do não menos controverso edifício do IADE, que ainda hoje lá está)? A torre era natural e propositadamente impactante, até porque seria o prédio mais alto de Lisboa, mas era uma obra-prima, diria mesmo escultural e imponente como muitas espalhadas pelo mundo, daquelas que se tornam até postais promocionais das cidades que as têm.
A verdade é que o projeto andou de entidade em entidade, acabando por ser chumbado e o aterro continua como era, com ar abandonado e decadente (entretanto foi lá montado um stand automóvel a céu aberto com uns pré-fabricados a condizer) – e o plano de pormenor vai só agora, 30 anos depois, para discussão pública.
Tal como, aliás, o Parque Mayer, que curiosamente também chegou a ter um projeto de Foster e outro de Gehry e continua num chocante abandono.
Entretanto, já nasceram muitos outros e impactantes projetos na zona ribeirinha.
Da sede da EDP, belíssima obra de Aires Mateus, por dentro e por fora, ao moderníssimo MATT, da Ribeira das Naus ao espetaular Terminal de Cruzeiros, ou do projeto de Renzo Piano (embora, que raio, com tanta frente de rio, por que razão as casas hão de ficar com vista para… as outras casas, totalmente devassadas?) a tantos bons exemplos do Parque das Nações – ainda que seja incompreensível no que já se transformou desde o tempo da Expo, com construções em cima de construções e uma densidade exageradíssima.
Mas há outros que, sem água vai nem água vem, foram plantados sem ninguém dar por ela. Veja-se o caso da torre entre a Fontes Pereira de Melo e a 5 de Outubro. Um monstro. Um mono.
Ao lado estão três mamarrachos – o edifício Picoas agora sede da Altice, o que foi o centro comercial Imaviz e o que é o Sheraton (o prédio mais alto de Lisboa) – e nenhum deles tem o mesmo impacto negativo sobre a cidade e quem nela circula. Porquê? Porque, ao contrário do novo mamarracho, não estão em cima da estrada – foram recuados e permitiram outro enquadramento e outra perceção de espaço a quem passa.
A torre em cima do passeio e da estrada, simplesmente, esmaga-nos, atrofia-nos, condiciona-nos.
O projeto de Aires Mateus e Frederico Valsassina para o Largo do Rato, uma das entradas nobres para o centro da cidade, não tem o mesmo efeito, mas quase. E, por isso mesmo, é por muitos classificado de ‘mono’.
Não está em causa a beleza ou estética do projeto de arquitetos com justos pergaminhos – embora, a mim, me faça lembrar muito mais uma daquelas prateleiras de supermercado onde estão empilhadas as caixas de ovos do que uma evolução do célebre Edifício Franjinhas (umas centenas de metros mais abaixo na Rua Braamcamp), que também foi polémico e acabou Valmor.
O que está em causa é mais uma polémica daquelas estéreis – porque se o projeto foi aprovado e cumpre todas as regras e leis, o pior que pode acontecer é arranjarem-se agora argumentos para nada ser feito e os contribuintes, uma vez mais e como se não bastassem as centenas de milhões que a Câmara já foi condenada a pagar em indemnizações, terem de arcar e pagar as consequências de mais um erro.
Na Fontes Pereira de Melo, sem discussão alguma, o mal está feito.
No Rato, o momento da discussão também já foi. Agora, o mal maior que pode acontecer é acabar por nada ser feito e por lá ficarem os terrenos ao abandono.
Em última análise, mais vale venderem aos manos Robles – que eles recuperam o edificado com indiscutível bom gosto, mesmo aumentando um pouquinho a cércea, mas com tudo licenciado e sem polémicas.