O mandato da atual procuradora-geral da República Joana Marques Vidal termina a 12 de outubro e, a pouco mais de um mês do fim, é já quase certa a sua não recondução. O Governo, que terá de propor nomes ao Presidente da República, ainda não fechou o dossiê, mas António Costa já deu claros sinais de que não pretende reconduzir a atual PGR no cargo por mais seis anos – apesar de a lei permitir a continuidade. Em época pré-eleitoral, há uma leitura óbvia: o primeiro-ministro não arriscará levar nomes a Marcelo Rebelo de Sousa que possam ser rejeitados, o que causaria embaraço político.
A verdade é que, não obstante ter recebido Joana Marques Vidal em Belém, no que pode ser interpretado como um sinal de que gostaria que fosse reconduzida, Marcelo Rebelo de Sousa faz tabu do tema tema da nomeação do próximo PGR. Belém diz que «a situação só se colocará em outubro».
E a verdade é que do gabinete de António Costa também não sai uma palavra sobre assunto. Os partidos à esquerda também não se metem – segundo o PCP, «no momento em que a questão se vier a colocar, caberá ao Governo e ao Presidente da República a decisão» – e a posição do PSD não é clara. Esta semana, Elina Fraga, a vice-presidente de Rui Rio, até admitiu ao i ter «uma imagem positiva do trabalho» de Joana Marques Vidal, mas a posição do partido sobre uma eventual recondução é desconhecida.
Ontem, o líder social-democrata garantiu que não se irá pronunciar sobre o tema «enquanto o Presidente da República e o primeiro-ministro, que são as entidades com a obrigação constitucional», não colocarem uma proposta «em cima da mesa». «Aí teremos opinião», prometeu Rui Rio. No início do ano, num debate com Santana Lopes, o presidente do PSD chegou a afirmar que o trabalho de Joana Marques Vidal à frente do Ministério Público (MP) não é positivo. No entanto, dias depois, corrigiu a perceção e admitiu que houve «melhorias» no MP desde a chegada da atual PGR, em 2012.
Disponível para continuar?
Ao que o SOL apurou, Joana Marques Vidal não estaria disponível para ser reconduzida, mas poderia continuar por mais seis anos à frente da Procuradoria-Geral se o primeiro-ministro e o Presidente o pretendessem – o que não é manifestamente o caso.
Todos os indícios dados pelo Governo e pelo PS não são favoráveis à recondução. Logo no primeiro debate quinzenal deste ano, e depois de a ministra da Justiça Francisca Van Dunem ter dito, numa entrevista à TSF, que o mandato de PGR é «longo e único», o primeiro-ministro não discordou. «A interpretação da ministra da Justiça está correta», afirmou António Costa. E, nos dias seguintes, alguns deputados socialistas apoiaram esta leitura. «Não está sequer na disposição da ministra (aliás, em rigor, do Governo e do Presidente da República) fazer com que a PGR pudesse exercer o seu cargo para além dos seis anos previstos na Constituição. Pretender o contrário, além de má-fé, será sobretudo uma manifestação de profundo desconhecimento do texto constitucional», escreveu o vice-presidente do grupo parlamentar do PS, Filipe Neto Brandão, no Facebook.
Lei permite recondução
Já esta semana, o líder parlamentar dos socialistas reiterou a mesma ideia. «Acredito que a existência de um mandato único e tomar como regra isso, aliás a própria procuradora-geral da República defendeu isso num discurso que fez, permitirá que não seja exercido por alguém que fique pressionado pela sua recondução ou não recondução», afirmou Carlos César no debate semanal que mantém com Santana Lopes, na SIC Notícias.
A verdade, porém, é que a redação da lei permite a recondução da PGR por mais seis anos, ao contrário do que o PS defende. «Independentemente de quem esteja na PGR, e apesar de lei ter sido criada para limitar o mandato por seis anos, a verdade é que a sua redação permite a recondução. Qualquer jurista dirá isto», afirmou ao SOL o antigo PGR Pinto Monteiro. E o bastonário da Ordem dos Advogados faz a mesma interpretação. «Pode haver recondução, nada existe de limitação do ponto de vista da lei», assegurou Guilherme Figueiredo há dias, ao i.
Talvez por isso, o conselheiro de Estado e comentador da SIC Marques Mendes tenha afirmado, no domingo passado, que «se não houver bom senso, a substituição [de Joana Marques Vidal] será uma decisão sempre suspeita». E aproveitou para elogiar o trabalho da atual PGR: «Ficou a ideia de que a Justiça é mesmo igual para todos, que não poupa ninguém, incluindo os mais influentes e poderosos, que nada fica por investigar».
‘Trabalha muito e fala pouco’
A verdade é que, no espetro político e nos meandros judiciais, o trabalho da PGR é aplaudido. No PS, Carlos César diz que faz «uma avaliação positiva» dos últimos seis anos. No PSD, Paula Teixeira da Cruz garante que «merece continuar o trabalho que começou e bem». E até o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público – que se diz «contra todas as reconduções de cargos» no MP – tem a dizer bem de Joana Marques Vidal. «Fez um trabalho muito positivo e que imprimiu uma nova dinâmica no Ministério Público, sobretudo em questões de investigação e criminalidade económica e financeira», descreve o presidente, António Ventinhas, que defende que o perfil do próximo PGR deve ser «não muito diferente» do da atual Procuradora-Geral.
Também a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), que se demarca da polémica em torno da recondução, aplaude o rumo do MP nos últimos seis anos. «O Ministério Público chegou a sítios onde nunca tinha chegado e com enorme discrição. Há juízes, políticos e Procuradores investigados, o que contribuiu em muito para a imagem de independência e eficácia dos magistrados», considera o presidente Manuel Ramos Soares.
Mas nem tudo foram rosas no mandato de Joana Marques Vidal: o caso das supostas adoções ilegais da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) chegou a ameaçar o estado de graça da procuradora-geral, quando vieram a público suspeitas sobre a sua conduta enquanto exerceu funções no Tribunal de Família e de Menores de Lisboa entre 1994 e 2002.
Nada que, no entanto, tenha causado danos de maior à imagem da PGR. Talvez porque, como descrevia ontem ao SOL uma fonte ligada à Justiça, Joana Marques Vidal tem feito uma gestão comunicacional «inteligente»: «Fala pouco e trabalha muito, que é o desejável num procurador-geral da República».