Há 18 anos, Asia Argento estreou-se na realização de longas-metragens num filme que ela própria escreveu e protagonizou. Scarlet Diva é uma jornada de sexo, drogas e muitos excessos na busca da redenção, onde aparentemente se encena a violação que a atriz sofreu às mãos do produtor Harvey Weinstein e, anos mais tarde, a levou a fundar o movimento #MeToo. Filme que aparentemente vai ser reeditado agora – ou pelo menos, estava para ser, antes das denúncias de que teria dormido com o ator Jimmy Bennet, quando este era ainda menor. Asia negou, o site TMZ publicou selfies dos dois na cama e Rose McGowan – amiga e outro dos rostos do movimento #MeToo – emitiu um comunicado a garantir ser mesmo verdade.
De repente, Asia volta a mostrar o lado mais sombrio da sua personalidade, feito de uma autoconstrução que aparentemente começou aos nove anos, quando o pai, o realizador de filmes de terror Dario Argentino, e a mãe, a atriz Daria Nicolodi, se fecharam no ensimesmamento do seu divórcio (entre adultérios e insultos) e a deixaram por sua conta. Numa entrevista à Screendaily, questionada sobre o pai, deixou esta resposta: «Não sei. Já me esqueci. Foi há tanto tempo. Deixou de ser pai quando eu tinha nove anos.» Precisamente na mesma altura em que, como explica noutra entrevista à revista de música Forced Exposure, começou a fumar, hábito que ainda mantém, dois maços por dia. A mesma época em que também se estreou no cinema como atriz.
Incompreendida, o terceiro filme que realizou e apresentou no Festival de Cannes, em 2014, é uma reconstrução ficcional desse momento autobiográfico em que uma menina de nove anos é deixada à deriva pela separação dos pais. Aria, a protagonista, é filha de um ator vaidoso e de uma música perturbada. Mesmo que nas entrevistas Asia insistisse sempre em livrar o filme das correntes da história verídica, é ineludível o paralelismo entre Aria e Asia – cujo nome completo é Asia Aria Maria Vittoria Rossa Argento. O filme até está ambientado em 1984, precisamente o ano em que a realizadora fez nove anos.
«Todos os artistas vivem com uma obsessão, mas nunca é muito pessoal, nem necessariamente terapêutico. Fazer um filme não é como ir ao psiquiatra. Este filme é muito pessoal para mim. Se é verdadeiro ou não, acho que isso só rebaixa o filme», explicou à Screendaily.
Cresceu solitária e deprimida, com a cabeça povoada de histórias de terror transformadas em contos de embalar pelo pai, que lhe lia os guiões dos filmes antes de dormir. Em 1999, publicou um livro chamado I Love Kirk sobre um mundo rebelde onde ela é a diva que saltita entre transgredir e conformar-se, rejeitando certos cânones, aceitando outros. «Ela é a dark lady do momento, bonita sem ser bonita, boa sem ser muito boa, famosa, mas aparentemente pouco inserida no star system e, sobretudo, sombria, embora não tanto que não possa intitular um livro ao amor», lê-se sobre a obra.
Asia cultiva esse lado de Incompreendida, de alguém que desconfia dos adultos, que prefere o olhar das crianças, o mesmo que era seu até aos nove anos e que depois foi obrigada a perder. «Gosto do vermelho, essa é toda a influência que tenho do meu pai». Pouco para o pesado fardo que todos os filhos de famosos são obrigados a carregar: «É uma cruz. É como se tivesse nascido com uma cruz na testa e esteja obrigada toda a vida a responder porque tenho essa cruz. E só nasci com ela».
O estranho é que Asia diz que não teve escolha, que fizeram dela atriz aos nove anos, mas fez o mesmo com a filha Anna (que tem o mesmo nome da meia irmã de Asia, morta num acidente em 1994), que se estreou no cinema em Incompreendida. Garante ter sido a filha a pedir-lhe, que as crianças do filme estavam lá em casa ao fim de semana e se tornou «uma coisa natural para ela também entrar». Mas não lhe deu o papel de protagonista, não quis pô-la debaixo do holofote. As luzes queimam.