O único ponto na agenda do VI Congresso Extraordinário do MPLA, que hoje se realiza em Luanda, é a eleição de João Lourenço para a liderança do partido, sucedendo a José Eduardo dos Santos, que ocupou o cargo durante 39 anos. Passado quase um ano da eleição de Lourenço como Presidente de Angola, a transição fica assim completa e o anterior chefe de Estado passa diretamente à história.
Depois de um ano em que insistiu numa liderança bicéfala de um partido dividido, Eduardo dos Santos abre mão do poder que lhe restava e João Lourenço, que «neste tempo já consolidou o seu poder via Estado, agora vai consolidar o poder dentro do partido», como explica ao SOL o analista político Adolfo Maria, antigo membro do MPLA que passou pelas prisões da PIDE.
São esperadas mudanças no secretariado e no bureau político do partido, que foram escolhidos pelo líder que agora sai. Só o comité central permanecerá igual, pois os seus membros são selecionados em congresso ordinário.
«Ainda havia esta dúvida de que o trabalho estaria a ser um pouco controlado pelo antigo Presidente e que não poderia fazer tudo aquilo que gostaria de fazer. Agora essa desculpa deixará de existir e vamos perceber o que João Lourenço realmente pretende», refere ao SOL o escritor José Eduardo Agualusa.
Julião Mateus Paulo ‘Dino Matrosse’, durante três mandatos secretário-geral do MPLA e atualmente responsável pelas suas relações externas, sublinha ao SOL que «ao contrário do que muito se falou, de que havia turbulência» dentro do partido, esta «é uma transição que está a ser feita de uma forma normal, tranquila». Para Matrosse, o facto de ter sido o próprio José Eduardo dos Santos a desencadear o processo de sucessão e a conduzi-lo é prova disso. «Ele não foi obrigado a deixar o lugar, segundo os nossos estatutos, a mudança deveria acontecer só no próximo congresso, em 2022», sublinha.
O certo é que deixar o poder neste 8 de setembro não foi escolha de Eduardo dos Santos. O velho Presidente, usando como justificação a necessidade de acompanhar a implementação das autarquias no país, apresentou a hipótese de ficar à frente do partido até abril de 2019 ou pelo menos até dezembro. Foi aí que o ex-chefe de Estado percebeu que já não tinha fiéis suficientes para secundar as suas propostas (ver texto ao lado) e viu-se obrigado a aceitar sair mais cedo. Hoje. Para que João Lourenço possa completar um ano no poder, no dia 23 de setembro, sem a sombra do velho presidente a pender sobre ele.
«Num partido não pode haver propostas contrárias? Pode, a democracia vale por isso. Ele propôs e se houve uma parte que disse ‘não, quanto mais cedo melhor’ e ele concordou, não vejo dificuldades nisso. Se ele quisesse podia ficar até 2022 e a Constituição ainda lhe dava um ano de mandato [como Presidente da República]», explica o secretário para as relações exteriores do MPLA.
«Claro que houve um braço de ferro. Muitas das coisas nós não soubemos. E houve muitas intrigas… sobretudo nos primeiros tempos, mesmo antes de ele tomar posse», afirma por seu lado Adolfo Maria. «José Eduardo dos Santos deixou vários espartilhos, certas armadilhas para condicionar o poder de João Lourenço. Mas este, com os mesmos decretos que José Eduardo dos Santos tinha feito à última da hora, para prolongar no tempo cargos, funções, desfez tudo. Com o mesmo poder que um fez o outro desfez», acrescenta.
Do outro lado da barricada, no velho inimigo de guerras e desde 2002 principal partido da oposição, Alcides Sakala, porta-voz das Relações Exteriores, acha que o ex-Presidente não soube escolher o momento para retirar-se. «Os líderes têm de saber entrar e sair. Sair oportunamente. Mas quando se é forçado pelos ventos da História, como é o caso, deixa sempre a figura, neste caso a de José Eduardo dos Santos, enfraquecida», disse, citado pela Lusa.
Este congresso extraordinário tem como lema Com a força do passado e do presente, construamos um futuro melhor que parece mais uma manifestação de desejo que uma real mudança profunda no partido com a ascensão de João Lourenço à liderança. Mário Pinto de Andrade, académico e militante do MPLA, considera que para haver uma «nova mentalidade» no partido «é necessário que a geração de José Eduardo dos Santos tenha a coragem de sair com ele». Em declarações à Angop, Pinto de Andrade defende que são precisos jovens, capazes e competitivos, para mudar o MPLA.
Sedrick Carvalho, ativista e coordenador do livro Cabinda – Um território em Disputa, não está convencido que João Lourenço implemente as mudanças que o país precisa, como a «reforma profunda aos poderes imperiais que tem», promovendo uma revisão constitucional em que se altere «o modelo de eleição do Presidente». De qualquer forma, Sedrick de Carvalho diz ao SOL que a esperança «ressurgiu um pouco» com a eleição de João Lourenço. «Depois de 38 anos de um poder personalizado» a população «não contava mais ser possível ver um outro Presidente no país. Aliás, uns diziam que Angola não estava preparada para ter um outro Presidente, e é positivo ver que afinal estavam enganados».
De qualquer maneira, é pessimista em relação aos sinais, porque continua a ser um «sistema em que o MPLA domina todos os aspetos da vida nacional, subverte as instituições que em democracia deveriam ser independentes, como o Parlamento e o Judicial», e ainda por cima com «um Presidente todo-poderoso e dono de tudo o que respira em Angola».
Agualusa é mais otimista : «Alguma coisa mudou, não mudou muito, não mudou tanto quanto eu gostaria e, provavelmente, uma parte da sociedade civil, mas as coisas mudaram. Há mais liberdade, no sentido em que as pessoas têm mais à vontade para falar, a imprensa também abriu, o próprio Jornal de Angola mudou muito. Eu acho que o Jornal de Angola é o espelho da abertura a nível do aparelho».