Festival Arirang. Massas de cores

Desde 2013 que não acontecia, regressa este ano a pensar no turismo e na angariação de divisas de que o regime da Coreia do Norte tanto precisa. O Festival Arirang, essa coreografia de massas entre o espetáculo ‘kitshc’ e a exibição desportiva, começa este domingo para coincidir com os 70 anos da República Popular Democrática…

Dança, ginástica e acrobacia, tudo composto num espetáculo de massas a explodir de cores, coreografado ao milímetro durante todo o ano para garantir o efeito desejado. O Festival Arirang ou os Jogos de Massas de Arirang, como também se denomina, é a grande atração turística da Coreia do Norte. Interrompido desde 2013 por falta de verbas, volta a realizar-se a partir deste domingo, coincidindo com o 70.º aniversário da fundação da República Popular Democrática da Coreia. A agência de viagens chinesa Koryo Tours, que organiza habitualmente excursões turísticas à Coreia do Norte, define o espetáculo como «a maior e mais elaborada performance no planeta Terra».

Numa altura em que o país tanto precisa de divisas, o governo norte-coreano recupera o festival para atrair turistas e captar moeda estrangeira para as suas reservas. O plano é arrecadar um valor na ordem dos 1,5 milhões de euros. Os bilhetes para assistir ao espetáculo variam entre 100 e 800 euros, dependendo, logicamente, da qualidade e visibilidade dos lugares. Aliás, de modo a explorar da melhor maneira o filão turístico, Pyongyang avisou as agências de viagem de que este ano o Arirang dura mais tempo, começando a 9 de setembro e prologando-se até 10 de outubro.

A má notícia de que os EUA na semana passada resolveram prolongar por mais um ano a proibição dos seus cidadãos viajarem para a Coreia do Norte é um rude golpe na estratégia turística delineada pelo regime de Kim Jong-un. Pyongyang devia contar que a cimeira do seu líder com o presidente dos EUA, Donald Trump, em junho, poderia contribuir para que a Casa Branca se decidisse por suspender o impedimento dos seus cidadãos, mas tal não veio a acontecer.

Por exemplo, a agência Phoenix Voyages, que vende pacotes turísticos para a Coreia do Norte a partir de Paris desde 2005, resolveu não reforçar a sua oferta por receio de novas ações de Trump em relação à Coreia do Norte. «Não vou expandir o meu negócio nem nada porque há preocupações de que o presidente Trump decida fechar as portas outra vez», referiu Edouard George, presidente da Phoenix Voyages, citado pelo jornal Dong-a Ilbo.

O regime norte-coreano convidou comerciantes e empresários chineses para visitarem o país, oferecendo-lhes convites para assistir ao festival, numa tentativa de atrair o investimento estrangeiro de que o país tanto precisa. Este ano o espetáculo tem por título Pátria Brilhante, para os coreanos, O País Glorioso, em inglês.

O desanuviamento da tensão entre EUA e Coreia do Norte na primeira metade do ano, que fez desaparecer um pouco a ideia de uma guerra iminente, depois dos vários testes nucleares e de mísseis conduzidos por Pyongyang, tem tido um impacto substantivo no turismo norte-coreano. Se, no ano passado, houve agências que suspenderam as viagens, este ano, a procura tem vindo a crescer desde março. Até porque a oferta posta à disposição pela Coreia do Norte também aumentou: por exemplo, este ano os turistas estrangeiros vão pela primeira vez poder acampar e fazer caminhadas na montanha Baekdu – também conhecida como Changbai -, uma montanha vulcânica na fronteira com a China que com os seus de 2744 metros de altura é a maior da península. A mesma que aparece no brasão de armas da Coreia do Norte, onde a lenda conta que nasceu Kim Jong-il, numa cabana.

De qualquer maneira, se o festival deverá convencer os turistas com a sua exibição de acrobacia, sincronização, encenação, luz e cor, é pouco provável que os investidores chineses se deixem seduzir ao ponto de investir o seu capital na Coreia do Norte. «A razão pela qual os empreendedores chineses estão hesitantes em investir na Coreia do Norte tem a ver com o facto das sanções dos EUA e das Nações Unidas estarem ainda em vigor», contou ao serviço coreano da agência RFA um comerciante da cidade chinesa de Dandon que pediu para não ser identificado. Muito do comércio sino-norte-coreano caiu a pique por causa das sanções impostas ao país por causa dos testes nucleares e de mísseis. Uma fonte não identificada disse ao Daily NK que o número de carros a circular nas ruas caiu abruptamente nos últimos meses uns 40%, depois de o Governo ter instruído os cidadãos a usarem carros de bois e bicicletas em vez de automóveis.

 

Ritual de Verão

Entre 2002 e 2013 (com exceção de 2006), o Festival Arirang transformou-se na principal atração turística norte-coreana para aqueles que sentiam curiosidade pelo país onde uma ditadura de características feudais e ideologia de massas governa com mão de ferro os seus mais de 25 milhões de habitantes. Até as televisões mundiais se sentiam atraídas pelas imagens coreografadas à perfeição, num espetáculo de massas de grande colorido que sempre se realizou no verão, em agosto ou setembro.

O nome do festival, Arirang, vem do nome de uma canção popular coreana sobre um jovem casal separado por um terrível senhor feudal, em alusão à separação entre as duas Coreias depois da guerra (1950-53). Elegia ao Partido dos Trabalhadores da Coreia, às suas forças armadas, a Kim Il-sung, Kim Jong-il e agora Kim Jong-un, o espetáculo é quase todo ele simbólico: o sol nascente representa Kim Il-sung; a arma é arma que Kim Il-sung deu ao seu filho; o vermelho, sobretudo das flores, são a classe trabalhadora; sempre que aparece uma montanha nevada com um lago representa o monte Changbai. No fundo trata-se da representação épica da história da Coreia num festival de massas e que já foi parar ao Livro de Recordes do Guiness – a 14 de agosto de 2007 foi reconhecido como o maior evento de ginástica do planeta, com 100.090 atletas envolvidos no espetáculo organizado pelo Comité de Preparação do Estado da República Popular Democrática da Coreia para a Performance Artística e de Ginástica de Grandes Massas “Arirang”.

 

Profissionais do Arirang

Participar no Festival Arirang é uma grande honra para um norte-coreano, mas só os melhores são selecionados. Os talentos são escolhidos muito cedo, muitas vezes aos cinco anos. É um trabalho exigente, mas também recompensador em termos sociais, algo muito importante numa sociedade tão estratificada e controlada na ascensão social. Em certos casos pode mesmo ser um trabalho para toda a vida.

Os jogos são disputados por equipas de oito escolas de Pyongyang que se distinguem pelas cores: Seoseong (vermelho e amarelo), Pyeongcheon (verde e branco), Daedonggang (azul e amarelo), Moranbong (vermelho e branco), Botonggang (azul e branco), Mangyeongdae (vermelho e branco), Daeseong (azul e branco) e Rakrang (vermelho e amarelo).

Ao longo de todo o ano, é comum ver nas praças de Pyongyang ensaios para o festival, com instrutores controlando os movimentos através de altifalantes instalados no tejadilho de automóveis. A ideia do sincronismo é levada muito a sério e a repetição dos passos e dos exercícios é feita vezes sem conta para que no dia certo todos saibam os movimentos de olhos fechados. A partir de 9 de setembro, deverão participar no espetáculo umas quatro vezes por semana durante um mês.