O Ministério Público está a investigar a construção do edifício conhecido como Torre de Picoas, na Avenida Fontes Pereira de Melo, em Lisboa. Questionada pelo SOL, a Procuradoria-Geral da República (PGR) disse que o inquérito «se encontra em investigação» no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa (DIAP), não tendo nenhum arguido sido constituído.
O esclarecimento foi prestado na sequência da entrevista do ex-vereador da Mobilidade da CML, Fernando Nunes da Silva ao SOL na semana passada – cuja segunda parte está publicada nas páginas 22-25 desta edição – que levantava suspeitas sobre Manuel Salgado, vereador do Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa (CML) há 12 anos. Seguiram-se, na quarta-feira, as declarações de Manuel Maria Carrilho, ex-ministro da Cultura, ao i, que apontava também o dedo a Manuel Salgado. «Lamento terem sido precisos 13 anos para se perceber o óbvio e as suas sinistras consequências», disse Carrilho, recusando-se a fazer mais declarações sobre o vereador do Urbanismo da CML e remetendo para as páginas do seu livro Sob o Signo da Verdade (Publicações Dom Quixote, 2006).
Mas no centro da polémica reacesa na última semana está a história contada por Fernando Nunes da Silva ao SOL. O engenheiro revelou em entrevista que o antigo proprietário do terreno onde está hoje a Torre de Picoas, Armando Martins, submeteu inúmeros projetos à CML ao longo dos 20 anos em que deteve o lote. Todos, de acordo com Nunes da Silva, foram rejeitados pela câmara, decisões que o antigo vereador da Mobilidade atribui diretamente a Manuel Salgado.
Segundo Nunes da Silva, os projetos entregues na câmara previam uma construção com «17 mil metros quadrados», mas na época «os vários Planos Diretores Municipais (PDM) só admitiam à volta de 10, 12 ou 14 mil metros quadrados de construção».
De mãos atadas e com dificuldades financeiras, o antigo proprietário aceitou o conselho de «um dos Espírito Santo»: fazer uma hipoteca de 15 milhões de euros sobre o terreno ao Banco Espírito Santo (BES). É então que a consultora KPMG, sediada no Monumental, faz uma proposta a Armando Martins para adquirir o terreno. Mas à semelhança do que fizera até aí, a CML rejeita novamente o projeto pretendido da KPMG.
Nesse momento, Armando Martins faz um pedido de informação prévia à CML. É Salgado quem o assina, esclarecendo que os Planos Diretores Municipais permitem a edificação de 12 mil metros quadrados para serviços ou 14 mil metros quadrados para projetos com habitação.
Entretanto, a KPMG desiste do negócio e com a crise instalada e sem possibilidade de pagar a hipoteca sobre o terreno, Armando Martins acaba por entregar o terreno ao BES por um euro.
Mas, aos olhos de Nunes da Silva, o documento que Salgado assina compromete-o. «Quando ele assina aquela carta ao Armando, já tinha sido aprovado na CML o regulamento do novo Plano Diretor Municipal que estava na altura em discussão pública», afirmou ao SOL. «O que o Salgado devia ter dito ao Armando era para ele esperar mais uns cinco meses até aquilo estar aprovado, porque o novo regulamento já permitia fazer o que ele tinha pedido», acredita.
Foi a descoberta deste episódio que levou Nunes da Silva a abandonar a Assembleia Municipal. Na altura, o antigo vereador a Mobilidade da CML diz ter dado conhecimento de tudo a Fernando Medina, quando este se preparava para iniciar funções. E segundo Nunes da Silva, também António Costa – que estava de saída da CML – terá recebido os mesmos documentos, pelas mãos do deputado social-democrata da Assembleia Municipal Vítor Gonçalves. «Medina agradeceu muito e não fez nada», revelou Nunes da Silva.
Curiosamente, há dois dias, Medina foi à SIC Notícias dizer que Nunes da Silva não lhe merece consideração e não responde às acusações, reafirmando a legalidade do projeto da Torre de Picoas. Opinião diferente tinha o vereador Manuel Salgado em 10 de janeiro de 2016 quando em entrevista ao DN disse de Nunes da Silva: «Foi o grande responsável pela mobilidade, área em que fez um excelente trabalho».
Na entrevista, Nunes da Silva contou ao SOL que tinha sido ouvido pela Polícia Judiciária, tal como Armando Martins e Vítor Gonçalves. Mas, segundo o ex-vereador, a investigação não deu em nada. Meses depois «Vítor Gonçalves telefonou à inspetora e perguntou pelo processo e ela disse que o processo tinha sido avocado a nível superior e não sabia o que tinha acontecido». Recorde-se que em 1 de abril de 2015, Ricardo Robles, escrevia no Esquerda.Net o seguinte: «A revisão do PDM em 2012 foi um dos momentos-chave da gestão de António Costa, porque evidenciou uma orientação para o negócio imobiliário. Quando a cidade precisava de privilegiar a reabilitação urbana e o repovoamento do centro pela população que foi empurrada para a periferia nas últimas décadas, António Costa e Manuel Salgado optaram por multiplicar as mais-valias dos especuladores imobiliários, criando mecanismos como os créditos de construção ou o aumento brutal de área de construção, como é evidente no último escândalo de duplicação de área de construção para projeto de empresa do BES na Av. Fontes Pereira de Melo».